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Modificar o original

A indústria cultural age como senhora de seus produtos e petrifica o gosto no tempo e no espaço.

*Alexsandro Alves

[email protected]

 

Somos surpreendidos hoje com refilmagens de grandes produções que fracassam em suas bilheterias e recebem críticas negativas do público e críticas condescendentes da crítica.

A pequena sereia, Peter Pan, são os exemplos mais recentes. Nessas refilmagens, a Disney apostou no que chama de inclusão. Na prática, mudaram a etnia dos personagens (Ariel branca, agora é Ariel negra), ou impuseram um protagonismo feminino (Wendy) às custas de críticas ao elemento masculino (Peter Pan), que não há no produto original.

Por que fracassaram? Por que fracassarão todos os filmes que assim procederem?

A primeira resposta seria preconceito, racismo, machismo. Ledo engano. Eu imagino que responder assim a essa pergunta vem de indivíduos brancos antenados, in, com seus smartphones que os conectam às pessoas que pensam exatamente igual e, juntas, esperneiam como bebês mal criados, incapazes de alguma reflexão mais profunda e afeitos a chamar a atenção a qualquer custo.

As grandiosas bilheterias de Pantera Negra, A mulher-rei, Barbie, exemplificam bem que a questão não passa pelo preconceito.

Eu imagino que a resposta mais coerente seja a questão da imagem. A cultura industrial, da qual a cultura nerd, geek, pop, é subproduto, ou seja, é subcultura dela, vive da imagem.

E não apenas a cultura nerd.

Na música popular, por exemplo, é muito difícil subtrair a imagem de uma música: O bêbado e o equilibrista é de Elis Regina; Evidências é de Chitãozinho e Xororó. Algumas vezes, até na ópera isso ocorre: a ária Casta Diva, da ópera Norma, de Bellini, ficou tão marcada pela imagem de Maria Callas, que ainda hoje sopranos precisam dizer que essa música não morreu com Callas, para justificar uma nova interpretação.

Mas se na ópera essa vinculação tirana consegue perder sua força, o mesmo não consegue ser feito na cultura industrial.

A indústria cultural é infantilizadora do gosto, ela não educa o gosto, ela aprisiona.

Uma vez comprovado o sucesso, aquele personagem terá para sempre a imagem de seu primeiro intérprete. Mudanças não são bem-vindas e nem discutíveis. Porque também há o componente nostálgico envolvido – se quer repetir experiências passadas ao invés de experimentar novas.

Mais do que por questões identitárias, o fracasso dessas produções é muito mais pela deformação do gosto que a indústria cultural impõe, sorrateiramente, no espírito de quem consume seus produtos. Não há uma necessidade de crescimento, há a necessidade da repetição sem a mínima mudança.

O grande público, i.e., a grande parcela do público consumidor, foi formada longe de qualquer critério estético porque a indústria cultural não precisa disso, ao contrário, ela precisa da indulgência intelectual e da facilidade da repetição imagética que provoca lembranças infantis até mesmo em quarentões e quarentonas que se comportam como crianças choronas quando têm seus brinquedos quebrados.

Por isso não adianta tentar impor uma nova imagem em personagens consagrados da cultura pop. A cultura pop não permite. Sempre haverá o fracasso batendo à porta.