Franklin Jorge
Em digressão sobre os gêneros literários, disse-o Voltaire: todos são bons, exceto o enfadonho. Textos desbordantes de palavras inúteis e ineptas caracterizam o gênero enfadonho, o único a ser evitado pelo leitor exemplar, segundo a clássica lição do mestre Jorge Luís Borges, autor de uma biblioteca quase infinita.
Paulo Caldas Neto nos dá “Peixe Vivo Fora d´Água” (CJA Edições; 2018), um livro que redimensiona a crônica, tornando pesada e impalatável matéria que na história da literatura tem se perdurado e conquistado legiões de admiradores gerações após gerações, por sua leveza alada e espirituosa, conforme o modelo de mestres como Rubem Braga, Cecília Meireles, Machado de Assis, Nelson Rodrigues, Newton Navarro, Berilo Wanderley, Myriam Coeli, Jarbas Martins, Walmir Ayala, Sanderson Negreiros, Sebastião Carvalho, Luís da Câmara Cascudo, Gilberto Freyre, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, Rachel de Queiroz, Manuel Bandeira, Dinah Silveira de Queiroz, dentre tantos outros que fizeram da crônica um gênero querido pelos leitores. Sem acrescentar que é reconhecidamente um gênero brasileiro inimitável.
Nesse livro que exalta o ego, em estilo remanchão e cheio de arestas, claudicante e entediantemente moroso e insípido, do qual está ausente a graça, o espírito alado e brincalhão que há de perpassar o texto da crônica clássica, com o seu frescor contagiante. O professor Paulo Caldas Neto, não. Corta-nos as asas e ata-nos aos pés uma tonelada de cimento e nos faz debater entre os parágrafos de um texto oleoso e de um estilo desconfortavelmente cheio de arestas e pedregulhos. E, por fim, sobre um gênero leve e alado a fatídica lápide verbal e mecânica de Lacrau Jr. nas páginas do jornal “Tribuna do Norte”, impiedosas pás de cal na leveza de um gênero praticado por mestres da crônica.
Há ainda, nessa caudal de trivialidades fomentadas por Caldas Neto, um fermento que faz abortar a eventual simpatia do leitor compassivo e complacente que há em grande número entre nós. O autor é, cabotinamente, autorreferente, isto é, não mira senão o próprio umbigo ao declarar-se, dentre outros despropósitos, pertencente à estirpe de um poeta assuense. Quer nos persuadir de que é um mestre e velhinho precoce cheio de bom senso.
Dizem-no professor e coordenador de um grupo de pesquisa interessado na literatura potiguar. Um grupo que não se destaca porque está regrado por alguém de uma espécie muito abundante nos meios intelectuais e acadêmicos de Natal, onde a mediocridade enfeitada e falante sempre vence e se afirma contra a modéstia, o labor e a humildade que nunca hão de ser excessivas. Bracejar contra a caudal da lavra de Paulo Caldas Neto, imortal da Academia de Letras do Assu, membro da União Brasileira de Escritores, seção local. Um gênio, em síntese, do gênero enfadonho.
Como coordenador de grupo de estudo é inábil e prepotente, não ouve nem estimula a produção de ninguém; constitui um atraso no progresso das discussões. Seu livro é a súmula de ideias velhas ministradas por um mestre-escola tirânico e constrangedor, privando-se da diversidade que o amedronta.
Em tempo: acabei de saber que o grupo se autodissolveu.
Franklin Jorge, diretor de Redação da Navegos, é autor dos livros “Ficções Fricções Africções” (Mares do Sul; 62 págs.; 1999), “O Spleen de Natal” (Edufrn; 300 págs.; 2001), “O Livro dos Afiguraves” (FeedBack; 167 págs.; 2015), dentre outros.
MESTRE DE PRINCIPIANTES Graduado em letras pela UFRN, o mossoroense Paulo Caldas Neto é professor de português e literatura no Campus Ceará-Mirim do IFRN; além de “Peixe Vivo Fora d´Água” (CJA Edições; 2018), o também poeta é autor de outros dois livros: “No Ventre do Mundo” (Nave da Palavra/Ube-RN; 2012) e “Do Picadeiro ao Céu – O Riso na Obra de Ariano Suassuna” (Nave da Palavra/Ube-RN; 2013)