*Luis da Camara Cascudo
De 1914 e 1932 morei no Tirol, olhando o Morro Branco que basilava a pista do horizonte sul. Entre o morro anterior e ele, o espaço de permeio, era chamado o Buraco da Velha, e anunciava, infalivelmente, as chuvas quando as nuvens se aglomeravam nesta área.
Em 4 de abril de 1731 o sargento-mor Belchior Pontes, cabo da Fortaleza da Barra da Cidade do Natal, requeria terras na paragem a que chamam Lagoa Seca para a parte do Morro Branco pela parte que se avizinha a estrada…
Ainda em 3 de julho de 1731 Teodósia da Encarnação, moça solteira, não tendo terra em que pudesse morar e plantar e fazer sua lavoura de roças requeria terras, citando como referência até o Morro Branco.
Já se vê que a região sempre foi possuída e povoada desde a primeira metade do século XVIII.
Em História que o tempo leva… (S. Paulo, 1924) registrei uma lenda relativa aos veados fantásticos que ali vivem ou viviam, assombrando os caçadores, da noite de quinta para sexta-feira, havendo luar.
João Monteiro, muitos anos empregado de meu pai, grande contador de estória que divulguei nos Contos Tradicionais do Brasil, narrava um encontro que tivera com três veados, brancos, e terríficos, descendo, silenciosamente a encosta de Morro Branco, sem nenhum temor do homem próximo que o pavor fez eriçar os cabelos e dar velocidade incrível as pernas.
Antônio Lopes, pescador, vindo de Ponta Negra, abandonou a estrada habitual pela praia e veio rumando Capim Macio, ladeando as dunas. Ao defrontar o Morro Branco ouviu um canto muito bonito, como o das Santas Missões, distinguindo perfeitamente as vozes graves dos homens e as agudas dos sopranos e contraltos femininos. Era noite de lua e não muito tarde. Antônio Lopes meteu-se pelo mato, mergulhando os pés na areia branca e fria. O coral cada vez ficava mais perto, mas não avistava viva alma. Andou mais de meia hora no rumo da cantoria. Ninguém. De repente calou-se tudo e ficou apenas o vento morno sussurrando nas folhas imóveis.
Arrepiado como porco espinho, Antônio Lopes correu até a Solidão, pondo a alma pela boca. Nunca mais andou pelo Morro Branco depois do sol posto.
Manuel Andrade de Araújo conta estória semelhante, ouvida de algumas pessoas, residentes nas Quintas. Regressando de Ponta Negra perceberam que estava sendo celebrada uma missa nas proximidades do caminho. Ouviram perfeitamente as vozes do sacerdote e do acólito e o vozerio baixo dos ouvintes.
Debalde procuraram localizar a cerimônia. Bateram os arredores, inutilmente. Silêncio, deserto, mistério.
Depois souberam que o Morro Branco há uma missa encantada, que muitos tem entendido e ninguém assistiu.
A rodovia que leva à Ponta Negra passa pertinho do Morro Branco, com seu cocuruto de areia prateada, sua vegetação rala e silêncio impressionante.
Os velhos moradores da Solidão, Senegal, Lagoa Seca, contavam que a duna era povoada, em certas noites, de luzes que se moviam em todas as direções, cantos esparsos, vozes baixas e persistentes e, às vezes, sons musicais. As lendas, visões, medos estão se dissipando. Mas ainda há quem a recorde, acredite e propague.
Morro Branco… Morro branco…
A República, 04 de março de 1959.