• search
  • Entrar — Criar Conta

Museu de Luís Gomes homenageia escravo

Fundado por um grupo de jovens liderados por Luciano Pinheiro, o museu de Luís Gomes homenageia extraordinariamente um escravo, Jacó, que povoou a antiga Serra de Bom Jesus por determinação de seu senhor, Luís Gomes, fazendeiro seridoense e desbravador do mais remoto recanto da Província do Rio Grande do Norte. Fruto da abnegação e do esforço coletivo, em certa época foi invadido e teve o seu valioso acervo roubado. O museu não recebe apoio do município nem do governo do estado. É originalmente iniciativa de um grupo de jovens que foram instruídos e orientados pelo italiano Padre Pedro Lapo. e liderados por Luciano Pinheiro.

*Franklin Jorge

Fruto do idealismo e da persistência de um grupo de jovens empreendedores, Luis Gomes pode se orgulhar de ser uma das raras cidades do Oeste norte-rio-grandense a ter o seu museu de antropologia e história, constituído pelo “Centro de Cultura Escravo Jacó”, em homenagem ao cativo que acompanhava Luis Gomes quando o rico fazendeiro descobriu a serra que batizou com o próprio nome. Ah, quase ia-me esquecendo: em Martins há um depósito de coisas velhas e bolorentas, amontoadas de qualquer jeito, sem arte nem critério, a que chamam equivocadamente de museu, mas quem conhece do assunto sabe que não é nem será, seja pela pobreza do acervo em grande parte constituído por álbuns de família, seja pela desorganização sistemática que o caracteriza.

Erigido numa das principais avenidas da cidade, num prédio construído para ser a delegacia de policia, ficou por vários anos sem serventia até que passou a ser administrado pelo Conselho Comunitário e, finalmente, passado em comodato ao Grupo Mutirão, uma organização não-governamental que mantém ainda uma rádio comunitária, um programa de inclusão digital e uma biblioteca pequena, mas bem sortida e de qualidade, que atende aos jovens estudiosos de Luis Gomes, suprindo uma lacuna que jamais nenhum prefeito teve a diligência de corrigir.

Pela organização e variedade do acervo, o museu constitui um modelo para a região. Reúne todo um documentário relacionado especialmente com a cultura do município, ao reproduzir, através de objetos, documentos e ambientação o modus vivendi e operandi daqueles que no curso dos anos fizeram a história.

Trata-se de uma obra, sob todos os seus aspectos, exemplar e digna da consideração de todos aqueles que se empenham em conhecer a gênese da história e o instinto criador do homem em sua luta pela sobrevivência. Por outro lado é o coroamento de um esforço coletivo que resiste, apesar da falta de apoio dos gestores municipais e até de sua má vontade para com empreendimentos que fogem ao controle dos chefes locais, para os quais tudo tem que ter o seu crivo e autorização, como resultado de um caldo de cultura discricionário que continua alimentando, em sociedades enquistadas, o ranço coronelista.

Destaca-se, nesse museu, a reconstituição de uma casa de taipa com todos os utensílios utilizados no dia-a-dia das famílias da zona rural, com o seu fogão de barro, suas lamparinas, alguidares, redes de dormir que o sertanejo chama de tipóia, os santos da devoção popular, o calendário de parede, potes, canecos de flandres, moinho, pilão, as gamelas, gaiolas, os apetrechos dos trabalhadores… Enfim, uma infinidade de objetos que seria enfadonho enumerar, mas surpreende e cativa quando os vemos como parte dessa ambientação, em tudo cuidadosa e veraz.

O acervo contém ainda o primeiro altar em madeira da igreja de Luis Gomes, a base do Cruzeiro dos Penitentes originalmente chantado na serra de São José, a mais alta do estado, com 830 metros de altitude; impressoras utilizadas na confecção dos primeiros jornais produzidos no município, como “Cisne Branco”, “Gazeta da Serra” e “O Phone”, dos sete que existiram e registraram a vida nesse município e louça de duzentos anos, além do primeiro motor que fornecia a energia elétrica. O museu guarda cópia dos processos contra Lampião e da revolta de Balthazar Meireles, originais do decreto de criação do distrito de Luis Gomes em 1852, proposição do Padre Belarmino de Almeida, deputado provincial e pároco de Pau dos Ferros, pai de onze filhos com duas diferentes mulheres, que ali viveu na vila de São Bernardo. Uma obra de grande significação, que honra sobremaneira Luis Gomes e o Oeste norte-rio-grandense.