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Músico de uma nota só

Fundador de Navegos escreve sobre um de seus temas prediletos, a caricatura e o uso de apelidário, gêneros secundários da literatura que tem inspirado artistas refinados.

*Franklin Jorge

A caricatura e o uso de apelidos, mal estudados entre nós, abrange um gênero secundário da literatura, a um tempo cult e popular. Gratificam autores e artistas tão diferentes entre si e tão semelhantes, como Marcel Proust e Luís da Câmara Cascudo, ambos cultores ocasionais desse refinado divertssIment.

Lembrei-me que em seu seletivo dicionário de apelidos o douto Gutemberg Costa esqueceu de anotar apelidos notórios, alguns dum impagável ridículo, como Pavão de Galinheiro, Cloretinho de Sódio, Lacrau Jr, Bicha das Salinas, Rato Encardido, Lagartixa Albina, Espírita de Porco e Bracinhos de Pernil etc.

Dicionarista que nos deu Pendências, Gutemberg esqueceu o Músico de uma nota só, aplicado a cantor e compositor esquecidos, que já teve os seus 15 minutos de fama sob o governo do Professor José Cortez Pereira, que intentou prestigiar os jovens, cercando-se deles de boa intenção, dentre os quais lhe saiu um músico monótono e um saltitante assessor de gabinete.

Digressões inoportunas, voltemos ao que nossa interessa; ao músico Roberto Lima, o representante de Euterpe na Academia, compositor e cantor de fôlego curto, desnaturado, afeito às cortesanias de gabinetes. Alguém que não podemos levar à sério.

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Cascudo tinha uma aguçada percepção psicológica; via em sua inteireza as criaturas, sabendo louvar e arreliá-las. Assim, podia chamar de Bom Jesus, padroeiro de Touros, o escritor Nilson Patriota, filho e historiador de Touros, uma benção para os amigos, dotado de generosidade e paciência milagrosa. E, de Exu, o cordialíssimo Bosco Lopes, poeta magérrimo e fumante que vivia na companhia de umas tias velhas, onde a cidade nasceu. Autor de um verso emblemático do nosso pauperismo contumaz, muito citado nas rodas boêmias:

Rio Grande sem sorte e sem norte.

Artista visual, performático e poeta processo, da artilharia da vanguarda provinciana, seria Jota Medeiros, misteriosamente, o Meliante. O desembargador Manoel Onofre Jr era a Cruviana, que supomos um bicho antediluviano.

Cascudo também gostava de decodificar nomes.

Fragmento do livro Leituras potiguares [inédito]

Franklin Jorge, escritor, jornalista e ativista dos direitos dos animais.

Quando foi alçado à imortalidade acadêmica.