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Nada como dantes

Apesar da eficaz aplicação da colaboração premiada no combate à corrupção no Brasil, professor universitário e ex-integrante do Judiciário federal alerta os agentes públicos que investigam e julgam os processos para observando, sempre, a legalidade e os princípios da Constituição

Edilson Alves de França

Ninguém melhor que a procuradora da República Cibele Benevides logrou resumir, com similar propriedade, a história, o significado, o conteúdo e a importância do instituto da colaboração premiada. Sua resposta à indagação-título de um oportuno trabalho que recentemente ofereceu à comunidade jurídica, afigura-se elucidativa. Ou seja: “…a colaboração premiada compensa”, como afirma em seu artigo “A colaboração premiada compensa?”, publicado no livro “O Ministério Público e os Desafios do Século XXI – Uma Abordagem Juseconômica” (CRV; 468 págs.; 2015), de Benjamim Miranda Tabak e Julio Cesar de Aguiar (organizadores).

De fato, segundo se tem observado, os benefícios práticos decorrentes desse proveitoso instrumento processual multiplicam-se e superam, em muito, as aventadas imperfeições que se lhes são antepostas. Principalmente, aquelas suscitadas pelos mais tolerantes ou indulgentes com a corrupção, insistentes ao acenarem com uma inverossímil possibilidade de caos na administração da Justiça, caso mantido esse eficiente procedimento cooperativo.

Dentro desse contexto, objetivando a permanência do atual quadro de venalidade generalizada, o logro tomou forma de “salvador” e enganos o projeto de lei que, felizmente, vem sendo mitigado, graças ao repúdio popular. Até porque a sociedade tem assimilado os resultados da expressiva maioria das colaborações compensadas, afloradas em número e conteúdo capazes de revelar seu poder dissuasório sobre a ambição que parece inata ao corrupto. Mas não é só. Desponta ainda promissora a concreta probabilidade de uma mais eficiente recuperação do erário, além da efetiva possibilidade de desbaratamento de propinodutos, mesmo tendo presente a complexidade do aparelhamento político e administrativo que alimenta essas malfadadas vias de trânsito para a improbidade.

Ademais, diante do nosso sobrecarregado sistema de Justiça, afetado por uma incomum demanda e pelas conhecidas dificuldades que vão da investigação à fase de execução da pena, a participação positiva do colaborador renova a esperança nutrida por um povo que já parecia dormir nas nuvens do ceticismo. Quem sabe, talvez agora, possamos superar, de vez, aquela negativa concepção que comparava nossa Justiça com uma frágil teia de aranha, onde ficavam presos os pequenos insetos, enquanto os grandes e mais poderosos rompiam-na e escapavam pela noite escura e silenciosa da cumplicidade útil.

No tocante à irreversibilidade da colaboração premiada, importa acrescer que as Convenções de Palermo e Mérida, subscritas pelo Brasil, reportam-se à Corrupção e à Criminalidade Transnacional Organi-  zada. E, nesse contexto, conceituam o instituto da colaboração como “meio de prova, tendente a identificar coautores e viabilizar a localização de pessoas ou bens, além de propiciar, como já enfatizado, a recuperação (ainda que parcial) de valores auferidos com a prática criminosa”. Sem falar que, no nosso ordenamento jurídico, mais de dez diplomas legais consagram seu emprego, sob as mais diversas circunstâncias. Difícil, portanto, muito difícil mesmo, para os numerosos incomodados reverterem essa prática processual de largo alcance e harmônica com um anseio popular, já materializado nas ruas através das placas, faixas e gritos de “basta de corrupção”.

Em síntese, a colaboração compensada, certamente, continuará a produzir resultados devastadores para os corruptos e respectivos beneficiários, independentemente da importância e do naipe político que ostentem. A multicitada Operação Lava Jato, pródiga em fases e resultados, certamente não lograria alcançar tamanha desenvoltura se não fosse os desdobramentos propiciados por colaborações tão contundentes quanto inimaginadas. O fato é que, seja no tocante à concretude fática, seja no que tange ao alcance e dimensão dos resultados colhidos, sobejam razões aos defensores da tese posta no sentido de que a colaboração premiada compensa.

Para tanto, pondero, é preciso que o Ministério Público e o Judiciário, harmônicos e cautelosos, observem a estrita legalidade dos respectivos procedimentos revolvendo máculas e espertezas que possam se esconder em cada acordo de colaboração. Não há, portanto, como se admitir subterfúgios, inconveniências ou rabulices que imprimam vexames ou descréditos em torno desse promissor instituto jurídico. Para isso, impõe-se que ao longo do curso de sua aplicação, mantenha-se fiel obediência aos princípios constitucionais que orientam o processo penal.

No mais, as alegativas de seletividade, perseguições, inviabilidade política, maquiavelismos, traições ou estrelismos, retratam, quase sempre, mero esforço defensivo dos acusados. Quando não expressam rabulescas investidas de conhecidos atores que, entre desesperados, incomodados e temerosos, não encontram o caminho de antes na tentativa de retorno ao velho “quartel d’Abrantes.”

Edilson Alves de França, procurador regional da República aposentado, ex-subprocurador-geral da República e professor de pós-graduação em direito na UFRN, é autor do livro “Teoria e Prática dos Prazos Eleitorais” (FeedBack; 350 págs.; 2014).

DESENCADEADOR O engenheiro e ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa, que foi o primeiro a fechar, em 2014, a colaboração premiada com a Justiça no âmbito da Operação Lava Jato; ele foi condenado à pena de 12 anos, que cumpre em regime de prisão domiciliar, e devolveu aos cofres públicos 1,4 milhão de reais