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Narrar é próprio do homem

Colaborador de Navegos, um dos nomes mais expressivos de sua geração, autor de mais de vinte livros publicados em diversos gêneros, o gaúcho Cleber Pacheco é, como criador, alguém que aspira ir mais além.

*Franklin Jorge

Desde muito pequeno Cleber Pacheco se interessou pelos livros.  Ainda antes de aprender a ler, vivia com livro, caderno, lápis debaixo do braço, lembra-se bem disso.  Detestava o Jardim da Infância porque lá não ensinavam a ler. E o que ele mais queria era aprender a ler e escrever.

Acabei aprendendo muita coisa sozinho.  Meu avô materno tinha um bazar e ali havia livros e revistas.  Quando aprendi a ler, ele me deixava ir até lá, sentar-me numa cadeira e ler o quanto quisesse: histórias em quadrinhos, revistas, livros. Eu passava as tardes lá, lendo. Isso foi decisivo para a minha caminhada tanto como leitor, quanto escritor. Sempre senti a necessidade de ir além, de não me contentar com o pré-estabelecido, com as convenções, com a mediocridade. Essa ousadia de buscar o mais profundo, as diferentes possibilidades, o desafio de investigar o desconhecido me fazem seguir lendo e escrevendo até hoje.

Escrever histórias sempre me interessou porque elas me fascinam.  Penso que criar uma história é um dos grandes feitos da humanidade. O ser humano tem essa necessidade de narrativas. É um modo de se situar no mundo, de buscar entender a vida e as experiências vividas. A possibilidade de mergulhar em inúmeros mundos, corações e mentes tem algo mágico. A possibilidade de criar, de usar a inventividade, a necessidade de me expressar e a crença de que tenho algo a dizer, fizeram-me mergulhar na literatura. É uma paixão, na verdade.

Escrever é um ato de criação, de imaginação, de inventividade, de explorar as diferentes realidades, de mergulhar no desconhecido, de ampliar nossa percepção e compreensão da vida, explica. Quando escrevo, sempre aprendo algo, descubro novas possibilidades. Escrever também é um diálogo, distante e ao mesmo tempo muito íntimo, com os leitores.

Como escritor, o que suscita o seu texto?

As narrativas surgem de dois modos diferentes: uma imagem específica e muito forte vem à minha mente, como se ela sintetizasse todo o texto. Por algum motivo, essa imagem traz uma impressão muito intensa e fica guardada ali.  Com o passar do tempo, vou desenvolvendo os passos da história. Isso pode demorar ou ser muito rápido.

Quando sento para escrever, tudo já está organizado em minha cabeça. Evidentemente nem sempre tenho o controle de tudo. Às vezes tenho apenas as linhas gerais da narrativa, noutras vou atrás da história e dos personagens. Eles é que a conduzem.  É difícil explicar com exatidão.

Outro modo é quando surge uma frase em minha mente. E esta frase dá origem a todo o texto posteriormente.  Ela é o mote, o tema e me guia, fazendo com que eu desenvolva os passos seguintes.

Na poesia, é uma inspiração mais momentânea. A não ser que eu já tenha um projeto de livro a ser desenvolvido, um caminho a ser explorado que desperta o meu interesse.

Escrever é um modo de fazer parte de algo, de uma longa tradição literária. Parece estranho, mas sempre soube: queria ser escritor. Desde muito pequeno. É como se tivesse nascido para isso.  Todos os livros lidos me inspiraram.  Penso que o incentivo do meu avô materno, como disse anteriormente, e os livros dados por minha mãe me estimularam a colocar em prática meu projeto de ser escritor.

Como vê essa profusão de autores?

Quanto a esta questão, repito o que muitos já disseram: o tempo se encarregará de selecionar os mais significativos.  É bom ter muita gente escrevendo.  Haverá uma seleção e quem tem qualidade resistirá. Quem não tiver, será relegado ao esquecimento. É assim mesmo.

A que atribui a má qualidade da literatura produzida atualmente?

Já recebi livros de diversos autores e descobri muita coisa interessante.  Há gente boa que quase desconhecida, sem divulgação, sem apoio, com pouca possibilidade de mostrar o seu trabalho. Acho isso lamentável.  Trabalhar com cultura no Brasil é sempre um desafio.

Já fiz seleção de originais para editoras e vejo, quanto à questão qualidade, que em alguns casos há falta de preparo ou muita pressa em querer publicar.  Para ser escritor é essencial ler muito, escrever muito, ler os clássicos, estudar intensamente. É fundamental o escritor conhecer a história da literatura, os autores, e onde ele próprio se situa, qual caminho está trilhando. Caso contrário, os textos serão precários e imaturos. Para se alcançar essa qualidade não basta só o talento: é preciso uma intensa dedicação aos livros e ao ato de ler e escrever.

.Formado em Letras, Cleber Pacheco é especialista em Filosofia na área de Epistemologia das Ciências Sociais e Mestre em Literatura Brasileira. Membro do Círculo de Pesquisas Literárias de Porto Alegre, distinguido com o Prêmio Qorpo Santo de Dramaturgia com a peça Intimidades, entre outros. Está publicado na Índia, EUA, Portugal, Canadá, Irlanda e Reino Unido. Foi Patrono da Feira do Livro de Vacaria, em 2012.