Franklin Jorge
Recentemente, sugeri a um arquiteto e insigne professor de artes que escrevesse sobre o mau gosto que rege o estilo oficial e se manifesta até em empreendimentos privados, como os condomínios. Ele descartou a ideia, afirmando que eu já dispunha dos elementos necessários para escrever sobre tal assunto. Fingi que acreditava em seu argumento, que escondia o medo de desagradar, ou seja, se ser autêntico ao refletir sobre o que pode em Natal provocar um passeio decepcionante, uma inimizade, uma polêmica, uma rabiçaca ou alguns desaforos. Ainda insisti com o argumento que prezava a pluralidade de opiniões e acreditava que o leitor teria gosto em passear por suas observações e comentários acerca de um tema que contamina a paisagem.
Assim, exposta a matéria limpa e seca, creio não dar jamais uma dentro. Não me importa saber que com o erro aprende quem tem alguma boa vontade, mas quero poder falar sobre minha cidade e dizer-lhe que, sob diferentes épocas e governantes, vós tendes sido ultrajada, vilipendiada, exposta ao ridículo e à chacota materializada no passeio em frente ao Memorial Luís da Câmara Cascudo, primeira sede da Pinacoteca do Estado, quando a instalei ali, em meu desterro, para não ficar parado.
Noiva do Sol refestelada sobre as dunas dançarinas, pressupõe à primeira vista uma antevisão do paraíso, mas é o inferno do belo – da fabricação do belo – intentada pela mão do homem que deu forma àquele patético oficial a segurar, desajeitadamente, uma espécie de Golem infantil. Sempre abaixo a cabeça e miro o chão adiante de meus pés, ao passar em frente do Quartel da Polícia Militar, uma construção militar digna.
Na Ribeira, num cruzamento movimentado, sob um pedestal a herma raquítica do valoroso Capitão José da Penha, inacessível, malcuidada, ao deus-dará. Não tem despertado o interesse do secretário de Entretenimento Dácio Galvão. Adverti o prefeito do perigo que corre a sua administração ao deixar tudo nas mãos de tal ajudante, agora um pouco de crista caída.
Ao subir a velha avenida Junqueira Ayres, açodadamente mudada em Câmara Cascudo, rebatizada em seu centenário, deparamo-nos na esquina da Assembleia Legislativa com a diminuta e a um tempo caquética e rebarbativa estátua do patrono daquela casa que menospreza quando intenta homenagear. Nada ali representa José Augusto, cheio de vida, lutando por sua terra, o Seridó, encarnaram-no sob a aparência de um boneco enturido e inanimado. Ao vê-lo ali, não sabemos se rimos ou se choramos, diante de seu infortúnio. Vejo tal flagelo como prova da capacidade de tais parlamentares fazerem o mal contra o nosso povo.
Esse anão desnutrido pintado de tinta dourada, o oposto do protótipo do homem seridoense, causa-me sempre um mal-estar. Tenho vergonha de ver a vilania triunfar. Ali, como uma vírgula à beira de um canteiro, parece a assinatura da falta de discernimento e grandeza que não podiam faltar em homenagem a céu aberto, em uma esquina movimentada da chamada Praça dos Três Poderes: do Legislativo, da Justiça e da sede da Prefeitura do Natal.
De vez em quando a fachada de um prédio se engalana com a alegre arte de Flávio Freitas, como uma súbita festa de luzes, mas a regra é outra. Prevalece as releituras de César Revorêdo e as pedras polidas, sem nexo aparente com o ambiente, espalhadas por toda a parte, na fachada de edifícios e clínicas, como um pesadelo.
Franklin Jorge, diretor de Redação do Navegos, é autor dos livros “Ficções Fricções Africções” (Mares do Sul; 62 págs.; 1999), “O Spleen de Natal” (Edufrn; 300 págs.; 2001), “O Livro dos Afiguraves” (FeedBack; 167 págs.; 2015), dentre outros.

A MÃO DA DISCÓRDIA Escultura do historiador e folclorista potiguar Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) chantada em frente do memorial que o homenageia; fundida em bronze e forjada em tamanho natural, a obra, que está sobre a mão direita do autor de mais de 30 livros, é alvo de crítica pelo seu gosto duvidoso desde que foi instalada, na década de 1980, num dos lugares mais privilegiados do sítio histórico de Natal, a praça André de Albuquerque, na Cidade Alta