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Negro e monarquista cria movimento patrianovista

Arlindo Veiga dos Santos cria movimento que defende a monarquia e se irradia por 15 estados brasileiros sob o lema Deus, Pátria, Império.

*Rodson Ricardo

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A história dos negros brasileiros foi contata por seus inimigos (liberais) ou aproveitadores (comunistas). Na narrativa oficial movimentos importantes foram esquecidos e personagens reais foram substituídos por lendas como Zumbi dos Palmares. Um exemplo disso é o movimento patrianovista. O patrionovismo foi um dos últimos herdeiros do movimento conservador negro brasileiro. Fundada em 1928, a Ação Imperial Patrianovista Brasileira, era uma organização monarquista negra que estava presente em vários estados brasileiros e que expressava as ideias nacionalistas e católicas do final da década de 1920 e início da década de 1930. O movimento foi idealizado pelo intelectual negro Arlindo Veiga dos Santos (1902-1972). Arlindo Veiga dos Santos foi uma das maiores lideranças negras na primeira metade do século XX, respeitado, inclusive, pela elite intelectual branca fora do Brasil. Ele era jornalista, poeta e escritor e presidiu a maior entidade negra na história do país: a Frente Negra Brasileira (1931-1937).

O interessante era que Arlindo era conservador, monarquista e católico tradicionalista. De origem humilde e, segundo sua biógrafa, de ascendência monárquica africana, estudou como bolsista em colégios católicos e chegou a cursar filosofia e letras na PUC de São Paulo onde destacou-se por suas habilidades linguísticas. Veiga dos Santos desenvolveu uma ativa produção intelectual como jornalista, poeta e político. Combatia tanto o racismo, quanto o socialismo e o nazi[1]fascismo. Foi professor de latim, inglês, português, história, sociologia e filosofia. Lecionou em faculdades privadas como a Faculdade de São Bento e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, tendo por princípio ideológico recusado qualquer cargo público, por ser monarquista e contra a república, como quando recusou o convite para ser secretário de educação de São Paulo em 1930. Era poliglota e traduziu diversas obras de autores antigos e contemporâneos como Tomás de Aquino e Jacques Valdour. Seu talento intelectual foi reconhecido internacionalmente, recebendo uma série de diplomas honoríficos, dentre os quais merecem destaque: membro do Instituto de Direito Social da Academia Brasileira de Ciências Sociais e Políticas, membro da Sociedade Geográfica Brasileira, membro da Association de Poets de Langue Française, membro honorário vitalício, na qualidade de fellow da American International Academy, de Nova York; dignidade e honra da Estrela e Cruz de Academic Honor; membro de honra da Légion des Voluntaires du Sang, de Paris; sócio de honra da Associazione Internazionale Insigniti Ordini Cavallereschi, de Palermo, Itália. Era um patriota e acreditava que o Brasil poderia ser uma grande nação e contribuir para a luta contra o racismo. Para isso era necessário retomar o projeto de uma “Pátria Nova”. Arlindo teve como objetivo estabelecer uma nova monarquia no Brasil, baseada em uma filosofia política neotomista.

Arlindo sempre esteve ligado ao Centro Dom Vital e à Revista A Ordem, fundados respectivamente em 1921 e 1922, pelo advogado e filósofo sergipano Jackson de Figueiredo (1891-1928). Esse Centro, que marcou a renovação do pensamento católico no país, exerceu grande influência sobre pensadores brasileiros como Alceu Amoroso Lima, Sobral Pinto, Leonel Franco e outros, ligados diretamente à corrente jacksoniana, que combatia o positivismo, o liberalismo e o socialismo. Arlindo foi um dos primeiros a teorizar as razões por que a república tinha sido um erro político e uma tragédia social, em especial para os pobres e negros. A Ação Imperial também fazia críticas aos erros do segundo reinado, em especial, seu liberalismo. Ao patrianovismo defendia o corporativismo. Do sentido original, vinculado às corporações de ofício do medievo mantivram a ideia de que o corporativismo é uma organização societária que tem por base um ofício ou uma profissão e que pode ser incorporada pelo Estado como uma modalidade específica de representação de interesses, desde que tais corporações atuassem nos processos decisórios como representantes de suas respectivas categorias e que os marcos legais de sua atuação fossem definidos pelo Estado. Da mesma forma, era preciso que os negros fossem capazes de opinarem sobre os rumos dos acontecimentos nacionais, ou seja, que tivessem capital cultual e político de efeito real sobre eles.

Por isso a importância das organizações e formação de seus quadros. Arlindo não tangenciava na defesa do corporativismo como a melhor forma de governo para o Brasil. O Novo Império seria uma sociedade organizada em torno do trabalho e dos valores morais e não do egoísmo e do dinheiro, como ele acreditava ser o liberalismo republicano de seu tempo. Arlindo uniu assim as ideias corporativistas neotomistas a uma agenda antirracista, monarquista e antiliberal. O Patrianovismo teve vida longa. Fundado em 1928 atuou intensamente até 1937; entrou em hibernação no período do Estado Novo, para renascer e novamente militar em 1945, prolongando-se até 1964. A Ação Imperial Patrianovista Brasileira, defendia o catolicismo como religião nacional e pregava a restauração da monarquia, sob o comando da casa de Orléans e Bragança. O movimento estava ligado ao príncipe Pedro Henrique de Orléans e Bragança (1909-1981), então chefe da Casa Imperial do Brasil e herdeiro do trono, além de Plínio Salgado (1895-1985) líder e fundador da Ação Integralista Brasileira. Em um panfleto, Arlindo deixou claras suas posições políticas: defesa de uma Pátria-Nova, Mestiça, Imperial e Católica; seus “inimigos irreconciliáveis” eram o “burguesismo, o plutocratismo e capitalismo materialista, ateu, gozador, explorador, internacionalista, judaizante e maçonizante”; a os patrianovistas eram “inimigos da República, dos partidos, do parlamentarismo, em suma do liberalismo religioso, político e econômico; enfim, tão inimigos também da anarquia bolchevista que com erros igualmente grandes pretende em vão ‘corrigir’ a tirania da burguesia liberal, como inimigos da ordem social mentirosa, instalada em quase todo o mundo.” 2. Da ação imperial à Frente Negra Embora apagada da história oficial a organização montada por ele não foi uma aventura qualquer.

O patrianovismo foi talvez o movimento político de direita mais expressivo no Brasil antes da fundação da Ação Integralista Brasileira (AIB), em 1932. A Ação Imperial se destacava por sua organicidade. Com um intuito de se defender dos fascistas e comunistas chegou a constituir um grupo paramilitar, a Guarda Imperial Patrianovista – estendeu-se por cerca de quinze estados e agregou milhares de seguidores, até ser colocada na ilegalidade, depois do Golpe que instituiu o Estado Novo em 1937. Quando deixou o patrianovismo, Arlindo buscou reproduzir a ideologia desse movimento na Frente Negra Brasileira (FNB), que ele criou em 1931 para promover a inclusão dos negros na vida social, econômica e política. Arlindo reage à ideologia racial de Hitler e atribui protagonismo aos negros na construção da nacionalidade brasileira: “Que nos importa que Hitler não queira, na sua terra, o sangue negro? Isso mostra unicamente que a Alemanha Nova se orgulha da sua raça. Nós também, nós Brasileiros, temos raça. Não queremos saber de ariano.

Queremos o brasileiro negro e mestiço que nunca traiu nem trairá a Nação. Nós somos contra a importação do sangue estrangeiro que vem somente atrapalhar a vida do Brasil, a unidade da nossa pátria, da nossa raça e da nossa língua. Hitler afirma a raça alemã. Nós afirmamos a Raça Brasileira, sobretudo no seu elemento mais forte: o negro brasileiro.” Chama a atenção o ódio visceral aos republicanos. Os patrianovistas ficaram neutros diante da guerra civil de 1932 entendida como ele como um problema das elites brancas republicanas liberais que nenhum benefício traria aos pobres e negros paulistas. Para Arlindo, o fim da monarquia fora urdido por senhores escravistas inconformados com a Abolição e que, na República, recorreram aos imigrantes para marginalizar os negros e desvalorizar a “raça brasileira”, fruto da mestiçagem. Arlindo não usa a palavra “eugenia” mas deixa claro seu desprezo pelo projeto de nação das elites republicanas.

Outra coisa que o diferencia da atual “direita negra” era o ceticismo em relação ao individualismo liberal. Arlindo defendia a criação de associações e sindicatos: “O sindicalismo, na acepção de Veiga dos Santos, tinha uma natureza corporativa, por isso apregoava o corporativismo no meio negro. Dentro deste espírito, ele incentivava a união dos negros na FNB, tanto na aquisição de terreno quanto na construção da casa própria, pelo sistema de mutirão. No Império Patrianovista, entretanto, quem não tivesse uma “profissão ou função qualquer” seria “desclassificado: vadio não tem direito nenhum” (O Comando Patrianovista, Jan. de 1934, p.3)”. O sindicato no projeto da Ação Imperial tinha uma função de contribuir para harmonizar capital e trabalho e não como um instrumento da luta de classes marxista. Além disso o patrianovismo lutava pela integração de todas as raças brasileiras: brancos, negros, índios, mulatos, caboclos e sertanejos.

Não é a toa que o jornal oficial da FNB tinha o nome de “A voz da raça”. A FNB acabou se popularizando entre os negros graças a iniciativas sociais, como a criação de uma escola a eles destinada e o esforço feito para inseri-los no mercado de trabalho e na polícia. Chegou a ter 50 mil membros e não escondia o alinhamento tático com o integralismo lusitano e com a Ação Católica Francesa, fazendo seu o lema deste movimento de extrema direita, com o acréscimo da palavra “raça”: “Deus, Pátria, Raça e Família.” Após vencer a disputa interna pela liderança da FNB contra os comunistas Arlindo passou a expandir a atuação da organização atingindo setores populares. Sua meta era fazer “a segunda abolição” e ajudar na libertação da escravidão moral, econômica e política do povo regro brasileiro. A FNB teve um grande sucesso e conseguiu que os negros pudessem se candidatar a Guarda Municipal além de conseguirem financiamento público para a compra de moradias. Sua campanha pela educação obteve profundos resultados. Arlindo acreditava que a educação traria a redenção para o negro, e divulgava assiduamente a necessidade de escolarizar os filhos.

O objetivo era fortalecer as famílias negras. Com esforço conseguiram criar uma escola seriada, com alguns professores, e lutar contra o analfabetismo em crianças e adultos, profissionalizá-los e capacitá-los a combater a desigualdade e o preconceito que os negros enfrentavam. São conhecidas as relações de Arlindo com o integralismo. Na verdade é grande a lista de nomes influentes que passaram pelas fileiras integralistas. Incluiu o jovem padre Hélder Câmara, futuro arcebispo emérito de Olinda e Recife, o jovem Vinícius de Moraes, o diplomata San Tiago Dantas e até o escritor Abdias do Nascimento, considerado um dos principais ativistas negros do país nas décadas seguintes. Tendo sido uma organização nacionalista com forte inserção entre as camadas médias urbanas e os militares, o integralismo também conseguiu incorporar simbolicamente uma mensagem para os negros.

Isso o diferenciava de sua vertente italiana. Plínio Salgado e lideranças integralistas falavam da necessidade de uma “segunda Abolição”, uma vez que a de 1888 não resultara em políticas de integração e proteção dos recém-libertos. Arlindo não foi um caso isolado. O historiador esquerdista Petrônio Domingues se pergunta por que houve tantos negros no início da República, como Arlindo, que se indispuseram contra o novo regime e, segundo ele, “idealizaram a volta da monarquia”, “idolatrando a princesa Isabel” e tomando como parâmetros de conduta política os abolicionistas negros José do Patrocínio (que chegou a criar uma guarda de negros para proteger a monarquia) e André Rebouças (que se exilou com a família real). Para Domingues, essa “nostalgia da monarquia” ocorreu devido à política de branqueamento adotada na Primeira República e à limpeza étnica por ela promovida nas cidades, com a perseguição de populações negras e de suas práticas culturais e religiosas, sem falar no privilégio dado aos imigrantes europeus no mercado de trabalho. Arlindo teve uma trajetória de vida pautada pela perseverança e abnegação contra o abandono e preconceito contra os negros e mulatos. Apesar de didaticamente ser classificado como “conservador” ao Patrianovismo se autodenominava como “renovador” e “tradicionalista”: “O PATRIANOVISMO não é conservador, porque há muito e muito que destruir na decadente, injusta e anticristã sociedade moderna, o PATRIANOVISMO é RENOVADOR, pois não merecem conservação os vícios de uma sociedade infame que traiu a Deus, ao espírito, à inteligência e ao próprio sensível do homem, tendo no entanto na boca, muitas vezes, as mais belas máximas cristãs e humanas”. Arlindo culpava o abandono dos republicanos aos negros após a abolição como a principal causa dos problemas sociais do país.

De qualquer forma a simples existência de Arlindo era algo insuportável para a elite republicana e marxista precisava (e foi) apagado da nossa historiografia. Após 1945 Arlindo foi vigiado pela polícia política e afastado da vida pública nacional. Arlindo nunca casou e, em 1978, morre por complicações de saúde, no meio da exclusão política em que se encontrou. Pouca coisa, ou quase nada, restou da memória do erudito, influente e inflamado líder negro que foi Arlindo Veiga dos Santos, esquecido tanto pela direita neoliberal quanto pelo movimento negro socialista, que tomou direção radicalmente oposta à dele. Seu nome não consta sequer da lista de personalidades da Fundação Palmares. O Patrianovismo teve vida longa, expandindo para mais de 15 estados, sendo a região Região Sul do Brasil onde houve mais expressão do movimento, competindo com a Ação Integralista Brasileira. O patrianovismo na atualidade é representado e defendido pelo movimento nacionalista Ação Orleanista, que tem como lema “Deus, Pátria, Império” e tem como objetivo “lutar pela nossa herança luso[1]católica, visando também a restauração da monarquia tradicional’’.