*Alexsandro Alves
Em uma noite fria, por um bosque denso, duas almas vagam perdidas. Elas são criaturas da cidade que para não enlouqueceram, perdem-se entre a vegetação e os sussurros que ecoam do breu. Uma delas está pesarosamente triste e a outra, mantém-se em silêncio, com a cabeça carregada de pressentimentos. De mãos dadas, para não se perderem, procuram um lugar para sentar, aquele mesmo lugar, que em cada viagem muda de lugar e às vezes fica longe e é difícil de encontrar.
A Lua encontra os dois. Caminhando, uma delas fala:
“Eu estou traindo você. Eu não queria, mas eu não sabia que ainda poderia ser tão feliz. E desse pecado, há uma terceira pessoa aqui. Eu me desesperei de felicidade, pela plenitude de ser mãe, cedi meu sexo a um desconhecido, me considerei abençoada, mas agora a vida se vinga”.
Ela tropeça e seu olhar escuro é inundado pelo luar quando fita as nuvens. Ele, após mergulhar nos mais contraditórios pensamentos e de sofrer tudo naquele momento de arrependida felicidade, lhe fala:
“Não permita que essa criança seja um fardo para sua alma. O Universo continua a brilhar em você e em mim. Nós estamos caminhando nesse mar frio, porém nosso ser possui calor infinitos, de mim para você e de você para mim, esse calor transfigura a criança, que você gerou para mim”.
Em seguida se abraçam e suas respirações se encontram no ar.
Em uma noite brilhante, por um bosque denso, duas almas vagam.
Esse é o enredo de “Verklärte Nacht (Noite Transfigurada), sexteto de cordas, opus 4, de Arnold Schönberg, a partir de um poema simbolista de Richard Dehmel. Estreou em 18 de março de 1902 no Musikverein, de Viena. Algum tempo depois, em 1917, o sexteto seria transformado em uma obra para orquestra de cordas pelo compositor. Um sexteto de cordas é um quarteto de cordas (2 violinos, 1 viola e 1 violoncelo), acrescido de uma segunda viola e um segundo violoncelo.
Nessa obra, Schönberg tenta conciliar dois polos opostos: a coerência estrutural das obras de Johannes Brahms com a linguagem harmônica de Richard Wagner. Isso causou estranheza no público, que não compreendeu quais as intenções do compositor em casar numa mesma obra duas tradições já historicamente incompatíveis.
O poema em si, um caso de adultério, também serviu para gerar desconfortos na audiência. Porém o que mais chocou foi o perdão final!
A obra tem dois momentos bem marcados. No primeiro, as dissonâncias introduzem o caminhar pesaroso e o medo dos personagens. No segundo, a música se torna cada vez mais tranquila, o perdão do marido, que aceita o filho de outrem.
Juntamente com o poema sinfônico “Pelleás e Mélisande”, e os “Gurre-Lieder” é a melhor obra da primeira fase de Schönberg e também a mais conhecida do compositor hoje.
Abaixo, um link para uma interpretação, na versão original para sexteto de cordas.
https://www.youtube.com/watch?v=L3vclwWOefM&ab_channel=AVROTROSKlassiek