*José Augusto Carvalho
Batizar ruas, prédios, praças, edifícios e pontes com nomes ilustres não é uma homenagem muito digna da memória do homenageado. Ainda que o nome permaneça, as gerações futuras nem sempre saberão o que fez o cidadão para ter seu nome pretensamente perpetuado. Moro na Rua José Teixeira e dele sei apenas que se trata de um português trabalhador que não fez nada pela cidade que adotou. A rua da esquina é a do Desembargador Sampaio, alguém que deve ter realizado alguma coisa na vida, além de julgar processos.
Às vezes, a homenagem é mais que injusta. Há uma praça em Camburi com o nome de Philogomiro Lanes, o pior professor de português que já tive, no início da década de 50, no Colégio Americano. A razão dessa homenagem não existiria, se tivessem pensado no que ele tenha feito aos alunos com seu desconhecimento da matéria e da prática de ensino.
Acho que embaixo do nome da rua ou da praça, a placa também deveria informar o que de mais importante fez o homenageado para merecer seu nome a batizar o logradouro, para que o cidadão pudesse saber o porquê da homenagem. Por exemplo: Madeira de Freitas, escritor e humorista do método confuso; Audífax de Amorim, poeta inovador, contista, jornalista, etc. Um pequeno espaço na placa, abaixo do nome, poderia ser reservado às datas de nascimento e de morte.
Às vezes, o cidadão que teve a honraria de batizar uma rua com seu nome pode ter ameaçada a sua homenagem por algum político desmemoriado, como ocorreu com a Vieira Souto que quase perdeu seu nome para Tom Jobim. Devem ter protestado muito, porque o nome Vieira Souto permaneceu, e Tom Jobim batiza hoje um aeroporto. E até vultos pouco expressivos em termos de realizações em benefício da cidade que os homenageia já tiveram ou ainda têm seus nomes batizando logradouros, como Ayrton Senna que eu não sei o que ele teria feito por Vitória ou pelo Brasil, a não ser correr em alta velocidade sem sair do lugar e ganhar rios de dinheiro e a morte, gastando gasolina. Talvez ainda estivesse vivo e fosse mais útil ao país como motorista de táxi, com a vantagem de ter sempre um destino a atingir, além do ponto de partida que não é sempre o de chegada. Afinal, por que Francisco (Chico) Landi, morto em 1989, antes de Senna, piloto tão campeão quanto ele, não recebeu homenagem igual?
Quero crer que é a comoção pela morte de alguém querido ou popular que leva a municipalidade a procurar um logradouro para homenageá-lo. Que teria feito Leila Dinis pelo Rio ou pelo Brasil? Que teria feito Pedro Daniel por Vitória, além de vender bolinhas de gude à garotada da Escola Sophia Müller, como dono de um armazém em frente a um ponto de bonde? Em compensação, que rua leva o nome de Hilário Soneghet, que foi um grande poeta, ou de Ormy Delfino, professor que morreu em sala de aula, vitimado pela fome, num dos governos desastrados de Francisco Lacerda de Aguiar?
Num de seus poemas sempre valiosos, diz Mário de Andrade (cito de memória): “Nesta Rua Lopes Chaves / Envelheço e, envergonhado, / Nem sei quem foi Lopes Chaves.// Mamãe, me dá esta lua: / Ser esquecido e ignorado, / Como esses nomes de rua.”
Por uma estranha ironia, esta é a verdade mais crua: pra muita gente, hoje em dia, Mario de Andrade é somente mais outro nome de rua.
*José Augusto Carvalho, Mestre em Linguística pela Unicamp e Doutor em Letras pela USP, é autor de vários livros sobre língua portuguesa, como: Pequeno Manual de Pontuação em Português (Brasília, Thesaurus, 2013) e Estudos sobre o Pronome (Brasília: Thesaurus, 2016).