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Hélio Holanda Melo

Fundador de Navegos resgata de livro sobre suas vivências na Amazônia um pouco do muito Hélio Holanda Melo, por seu talento o equivalente de uma Cora Coralina em prosa da melhor qualidade.

*Franklin Jorge

Homem modesto, discreto e de boa-fé, detentor de uma vasta e estonteante cultura empírica cifrada pela memória, Hélio Melo, como se fez conhecido. Parecia ter a chave de todos os mistérios da mata com a sua flora e a sua fauna, quietos e constantes, crendices e lendas que ouvira em sua meninice, entre velhos, seringueiros e pajés sabedores da ciência antiga, ouvindo suas histórias à luz das fogueiras ou em meio ao vapor que emanava do cozimento do caucho, matéria-prima da borracha que fez a riqueza e nutriu a opulência de alguns.

Extraordinário é que Hélio criou tudo sozinho, do zero, aprendendo a ler por esforço próprio, sem mestres, exceto aquelas vozes queridas, o que ouviu e observou, como uma biblioteca viva mais velha que o homem.

À primeira vista seria Hélio Holanda Melo [1926-2001] apenas um pobre homem calejado pelas vicissitudes e pelo desejo de sobreviver no deserto de homens, criando a vida, como um fazedor. Conheci-o por acaso, ao visitar o modesto espaço cultural criado em uma praça de Rio Branco supostamente em sua homenagem e engrandecimento de sua obra concisa e profunda como a adversidade. A Sala Hélio Melo, tímida lembrança, não aumenta nem diminui o verbete obscuro.

Por diversas vezes passara por ali em minhas incursões pela cidade que de alguma forma evocava, para mim, o Ceará-Mirim; em especial, o Segundo Distrito onde vivera o poeta Juvenal Antunes por muitos anos, até o seu regresso à nossa terra comum, quando, em Manaus, foi transportado às pressas do navio para um hospital, onde fecharia os olhos para sempre e foi enterrado.

Seringueiro, catraieiro, barbeiro, tocador de rabeca, vigia noturno de uma escola, era, em verdade, uma biblioteca viva aberta à curiosidade de todos os que desejavam saber mais sobre índios e ribeirinhos em luta renhida pela sobrevivência. Os povos, enfim, da floresta.

Vocacionalmente criador, músico, artista plástico, escritor, seria em seu tempo o homem mais importante do Acre, que se tornaria sua província mítica, um arquipélago acima das contingencias humanas. No entanto, não mereceu o reconhecimento dos seus que o festejaram com as migalhas que caíam de suas mesas. Prova-o sua nomeação para vigia noturno de uma escola do município, ele, o escritor e o artista múltiplo e pletórico. nutrindo-se da terra e da circunstância.

Algumas vezes o visitei em sua casa modesta, sozinho e eventualmente na companhia de Dr. Albérico Batista e do poeta Thiago de Mello, seu velho e grande admirador. Alguém que visitava em Rio Branco para ouvir sua canção telúrica, lúdica, essa canção, como a inocência.

O melhor de sua obra está em Natal.

Em destaque, pintura documental de Hélio Melo inspirada na defumação do caucho; acima, o artista acreano.