*Juan Carlos Onetti
Jorge Ruffinelli : Se começássemos desde a infância, reconstruir sua imagem? A sua infância foi feliz?
Onetti : Sim, foi uma infância feliz. Mas talvez não exista período da vida tão profundamente pessoal, tão íntimo, tão guardado na memória como este. Existem dezenas de livros autobiográficos sobre o assunto: a experiência me ensinou a ignorá-los. Nenhuma criança pode nos contar sobre sua descoberta gradual, surpreendente, desconcertante, maravilhosa e repulsiva de seu mundo particular. Tenho mais adjetivos, espero que não sejam necessários. E os adultos que tentaram – exceto quando enganam com talento literário – sempre sofrem com o excesso de perspectiva. A criança inapreensível se dilui; Eles o reconstroem com peças defuntas, pouco convincentes e rangentes. Em primeiro plano, inevitavelmente, está sempre o rosto ocupado do mais velho, homem ou mulher. Fui uma criança falante, leitora e organizadora de guerrilhas de lançamento de pedras entre meu bairro e outros. Lembro que meus pais estavam apaixonados. Ele era um cavalheiro e ela uma senhora escravista do sul do Brasil.
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Juan Gelman : O que você acha dos livros que ele escreveu?
Onetti : Meu problema é que não os li novamente. Às vezes eu passo por eles, quando me pedem currículo, para não cometer gafe .
Juan Gelman : Mas o que você sente sobre tudo isso?
Onetti : A coisa mais importante que tenho em meus livros é um senso de sinceridade. Ter sempre sido Onetti. De nunca ter usado nenhum truque, como fazem os portenhos, ou faziam quando havia dinheiro e engraxavam os sapatos duas vezes por dia. Ou aquela mania de grandeza do povo de Buenos Aires que sempre fala em milhões. Sinto que nunca enganei a mim mesmo ou a ninguém. Todas as fraquezas que podem ser encontradas em meus livros são minhas fraquezas e são fraquezas reais.
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María Ester Gilio : Pensei em perguntar-lhe qual é a sua posição em relação à literatura comprometida.
Onetti : Acho que não existe maior compromisso do que aquele que se aceita tacitamente quando se começa a trabalhar ou a se divertir. É um compromisso consigo mesmo. Trata-se sempre de escrever o melhor que podemos; com total sinceridade, sem nunca pensar no hipotético fulano que vai nos ler.
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Eduardo Galeano : Faulkner, sabe-se lá por que ele disse nas reportagens que inspiração não existe. Apenas a disciplina. E Faulkner, ou pelo menos seu estilo, influencia Onetti. Inspiração ou disciplina, Onetti? Você acha que Faulkner estava dando corda, como um relógio?
Onetti : Mentiras, Faulkner mente. Eu sei que ele escreveu, bêbado como um ladrão, deitado num celeiro. E no hospital em Memphis – cidade natal de Faulkner, Memphis – ele tinha uma cama reservada para ele. De vez em quando ele tinha ataques de delirium tremens e coisas assim. Como eu disse, eles sempre tinham uma cama pronta. E ele era um gênio, Faulkner.
Imagem : Você tem um estilo que caracteriza sua obra literária?
Onetti : Acho que não, no sentido literário. Digo isso porque acho que esse estilo é do próprio homem. Assim como o homem, diante de diversas circunstâncias, assume diversas posições e formas de resolver seus diversos conflitos, o mesmo acontece com a literatura. O escritor deve abordar cada novo tópico de uma nova maneira. Não poderia trabalhar nas despedidas da mesma forma que trabalhei nas Juntacadaveres. O tratamento é sempre diferente para cada nova criação.
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Alfonso Calderón : Algum conselho para jovens escritores latino-americanos?
Onetti : Como disse alguém cujo nome lamento não lembrar, os escritores são divididos em duas grandes categorias: aqueles que querem se tornar escritores e aqueles que querem escrever. Basta ler algumas de suas páginas para classificá-las sem erros. Aconselho o primeiro a apressar-se porque, segundo o meu amigo Lord Keynes – um dos estadistas que mais admiro – um “pão” caracteriza-se pela sua duração relativamente curta. Estes últimos não precisam de nenhum conselho.
Juan Carlos Onetti
Cerco Coletivo de Onetti