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O afã do afano na lírica de Franklin Jorge

Navegos transcreve Prefácio de Poemas apócrifos, reeditado este ano sob a forma de e-book financiado pelas Canecas da Feedback Livros em uma bela edição com capa de André Rodrigues, que pode ser lido na plataforma Amazon.

*João Batista de Morais Neto – Poeta, crítico e Professor de Literatura do Instituto Federal de Natal, autor de Temporada de ingênios.

Existe uma faceta, melhor diria, façanha, na poesia de Franklin Jorge que me lembra algo que ilumina a lírica de Manuel Bandeira. Trata-se de um artifício antitético que se resolve na tessitura desses poemas que me agradam pela surpresa da revelação dos referentes mais comuns de forma criativa. Falo da confluência da sofisticação e da simplicidade dos Poemas Apócrifos.

É com muito prazer que escrevo este parco posfácio para a composição deste livro. Pois ao me deparar com estes textos cuja beleza inquieta-me, penso no conceito de estranhamento, do formalista Chlovski, como o deleite do inusitado. E é estranho afirmar isto, quando se faz a leitura de poemas que se dizem apócrifos.

O autor, que assume em sua lírica as máscaras de vários poetas, incursiona pela vertente poética do furto; realizando, assim, neobarrocamente, a “arte de furtar” destes anos siderais que avançam transfigurados em performances de realidade virtual.

Borges e Pessoa são máscaras desse autor de textos poéticos que se constitui em poeta e em eu-lírico do imaginário. Esse poeta que afana, assume-se  transcriador. Logo, penso no rabino das Galáxias, esse cosmonauta chamado Haroldo de Campos que nos diz: “Novalis, na Poética (fragmento 490), indaga: Uma vez que se põem tantas poesias em música, por que não pô-las em poesia? A tradução como transcriação é o pôr em poesia da poesia. Por isso mesmo, Novalis também definia o tradutor como o poeta do poeta. Nessa mesma sequência de ideias o transcriador poderia ser visto como o ficcionista da ficção”.

Vejo que o poeta em seu afã de afanar busca situar-se no universo da transcriação ao fingir ser muitos. Fernandez Moreno escreve seus versos em Buenos Aires, quase não registra as datas de sua produção e na persona de Franklin Jorge acontece em português. Seria um argentino que, no ferver neobarroco, ao transficcionalizar-se, translada seu próprio texto do espanhol para o português, quem sabe até através do processo de intratextualidade?

Há algo nessa lírica afanosa que recorda os temas do hai-kai. Pensem na definição poética que se enxerta neste verso:

A magnólia é uma flor

desmesurada
para ser beijada apenas

por monstros e fadas.

Porque tudo já foi dito e todos os versos já foram escritos, os Poemas Apócrifos seguem a trilha da reescrita de tudo. E para isso, todos os procedimentos são perfeitos. Por conta disto, Manoel de Barros, poeta de linguagem privilegiada, diz: “Então, o que se pode fazer de melhor é dizer de outra forma. É des-ter o assunto. Se for para tirar gosto poético, vai bem perverter a linguagem”.

Temos, dessa maneira, o rapto, o furto, o sequestro, o palimpsesto. Tudo vale a pena, tudo vale a re-escrita.

Sob o sol da América mestiça, vertemos os versos dos outros em nossa língua – caravela atômica de marés e espaços -, fazendo a poesia que se instaura supernova como a luz a luz das estrelas que se apagou há uma  infinidade de tempos, mas que se presentifica no horizonte de nossa contemporaneidade.