*José Vanilson Julião
A quinta parte dessa série você encontra aqui.
Arthur Coelho aparece pela segunda e última vez na “A Cena Muda” (número 30 – 23 de julho de 1946), quando o Sumário (página três) indica a crônica do jornalista e escritor cearense Raimundo Magalhães Júnior* (ao lado, Ubajara, 12 de fevereiro de 1927 – Rio de Janeiro, 12 de dezembro de 1981 – da Academia Brasileira de Letras, 1956), com o título “A política internacional e a censura cinematográfica”. O comentário “especial” do escritor é dividido em três parágrafos:
“- Corre o boato, no meio cinematográfico, de que a Warner Brothers, está tendo várias dificuldades com a censura cinematográfica, hoje de novo parte do aparelhamento da Polícia do Distrito Federal, a respeito do filme “Quando os destinos se cruzam”, de que são protagonistas Charles Boyer e Lauren Bacall. E isto porque a película se refere a luta civil da Espanha, apontando as suas origens fascistas e, bem assim, mostrando os compromissos de Franco com as forças reacionárias que banharam não só a desgraçada nação ibérica, mas toda a Europa em sangue… A ser verdade o que se diz estamos diante de um novo despautério, contra o qual não poderemos deixar de fazer valer o nosso protesto. Em primeiro lugar, porque os melindres da censura não podem se justificar, em face da repulsa de todas as nações representadas na ONU – inclusive o Brasil – contra Franco na imprensa, no rádio e no livro, não nos parece justo que apenas sobre o cinema, porque a polícia resolveu, há alguns meses, proibir “os comícios contra e os comícios a favor (!!!) de Franco”, segundo foi comunicado engenhosamente aos jornais.
– Já por ocasião da apresentação de “Por quem os sinos dobram” a censura, então fazendo parte do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), tomou-se de amores pelo generalíssimo Franco e fez eliminar das legendas dezenas de referências que caracterizavam os dois grupos em luta, muitas vezes mencionados, pitorescamente, como “os do outro lado”, “os outros”, etc. O tradutor da Paramount, Arthur Coelho, não só recebeu ordem para fazer isso, mas igualmente para omitir muitas legendas, além do que foram feitos cortes na película, que já bastante parcial, por vezes escandalosamente franquista, ficou ainda mais chôcha, mais franquista, mais adulterada. Sem isso, entretanto, não teria sido exibido “Por quem os sinos dobram” nos doces tempos da ditadura getuliana… Esses tempos mudaram, são bem outros hoje em dia – e até uma Constituição feita legalmente, por autênticos representantes do povo, nós vamos ter outra vez. Mas a aragem renovadora que soprou no Brasil pode não ter soprado na censura cinematográfica. Segundo ouvimos dizer, os rapazes do senhor Melo Barreto estão de tesoura em punho, resolvidos a estragar o filme da WB, só o deixando passar depois de suficientemente mutilado…. Oxalá não vão até a troca de legendas, ficando Charles Boyer como agente de Franco em lugar de inimigo do Mussoline espanhol…
– Isso nos faz lembrar o grande ridículo que representou para a censura e para a extinta ditadura, o caso do filme de Charles Chaplin, “O Grande Ditador”. Na sua lua de mel, ainda, com Mussoline e Hitler, o chefe de governo deposto em 29 de outubro fez proibir “O Grande Ditador”, no qual via uma caricatura ao totalitarismo em geral. Proibido o filme deu-se uma coisa singular: do território do Rio Grande do Sul, de várias cidades, correram trens especiais para o Uruguai – país livre e democrático – só para levarem pessoas ansiosas por admirar “O Grande Ditador”. O dono de um cinema em Rivera quase ficou rico com a afluência. A estrada de ferro chegou a receber ordens para cancelar os trens. Este novo caso faz nos lembrar do episódio chaplinesco. Mais tarde, para mostrar seu entusiasmo democrático e sua repulsa recém adquirida pelo Eixo, a ditadura mandou soltar “O Grande Ditador”. Agora é capaz de acontecer a mesma coisa, quando ficar decidido o rompimento com Franco. Enquanto o homem do cineminha de Rivera é capaz de ganhar dinheiro outra vez, com os brasileiros que, sem dúvida, ficarão intrigados com o caso e vão querer examinar seus fundamentos… Até parece que ele também tem um “agente confidencial”. Com a função especialíssima de animar-lhe o negócio…”