*Alexandro Alves
O processo de valorização do artista, bem como do papel que o mesmo exerce na sociedade passou por mudanças tão brutais desde a Revolução Francesa, que hoje se questiona se a mesma já não estaria morta.
A arte, antes da supremacia burguesa oriunda da queda das monarquias, engendrada pela Revolução Francesa, a partir do exemplo estadunidense de 1776, era sobretudo um produto da monarquia em qualquer aspecto. Sobretudo, seu aspecto mais importante, o artista.
Esse indivíduo vivia nos palácios, sendo o servo da aristocracia e criando sua arte a partir dos valores aristocráticos. Conta-se que Goethe, em uma caminhada com Beethoven, foi deixado para trás pelo músico, pois aquele demonstrava pendores contrários à Revolução Francesa. Todavia isso não encobre o fato de, por várias, Beethoven enganar a nobreza vienense fingindo-se de nobre, até que, por fim, foi descoberto.
Beethoven é um caso clássico de artista politicamente dúbio: dizia-se nobre, ao mesmo tempo em que odiava abertamente a aristocracia. Quando foi descoberto que seu “van” (Ludwig van Beethoven) nada tinha a ver com uma família nobiliárquica, afirmou que sua nobreza era a do artista. Foi uma saída inteligente para um homem que propagava que o “van” em seu nome tinha o mesmo significado do “von” na Alemanha – era usado apenas para nomes da nobreza.
Beethoven já vivia uma época de questionamentos estéticos que desembocariam, através da estética de Schiller e Hegel, no Romantismo.
Em sua época, o artista já estava se divorciando da nobreza. Isso teve consequências positivas e negativas. Se por um lado o artista agora fazia o que queria, era livre, por outro já não possuía a proteção real e o fracasso, junto com a fome e a miséria, eram situações que deviam serem postas na balança sempre. E sobretudo, o inconformismo do artista, como uma maldição, tornou-se pedra de toque do novo artista burguês.
Como oriunda de uma classe social que tomou o poder por uma revolução contraditória e deveras sangrenta, a arte burguesa se caracterizaria, já em seus inícios, pelo culto do feio e do antissocial, como demonstração de uma arte revolucionária – isso é o que Victor Hugo demonstra em seu estudo de estética e mais tarde, de uma maneira diferente, com o delicado e irônico estilo que lhe é peculiar, Oscar Wilde ressoará em seu prefácio para seu romance O retrato de Dorian Gray. Lord Byron será a consumação dessa nova visão desregrada do artista como um maldito.
O que chama a atenção é o distanciamento do povo da arte em qualquer um desses estetas. Claro que um distanciamento desse tipo já existia antes, mas era mais uma questão social, com a burguesia, esse afastamento será uma questão de validade artística e da verdade da obra do criador.
Para o Romantismo, que é um movimento burguês em sua essência, o artista é um indivíduo oposto à sociedade. Por mais que lute politicamente, é um ser proscrito de seu povo, um eterno Holandês Errante wagneriano, aliás, a incompatibilidade entre artista e sociedade é um tema que salta das entrelinhas das três óperas de Wagner da sua segunda fase criativa: O Holandês Errante, Tannhäuser e Lohengrin.
Marcel Proust levará isso às últimas consequências. O seu afastamento quase que completo da vida social foi o que, segundo o próprio, lhe permitiu escrever a maior obra-prima do romance do século XX: Em Busca do Tempo Perdido. Um romance onde o autor faz um afresco de suas memórias entrecortando a narrativa com análises de obras de arte, de fatos políticos, festas e tudo o que compunha a Paris de fins de século XIX e início do século XX, um grandioso romance-rio, como o denomina Franklin Jorge em seu Verniz dos Mestres.