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O romance O baú de Filomena, da escritora Tereza Custódio. Características, personagens, desenvolvimento e final, na Crítica Literária Potiguar desse domingo.

*Alexsandro Alves

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Li esse livro com muito cuidado, três vezes, em 2022. Ao fazer as anotações para esta crítica, relembrei essas leituras, reli as notas marginais na edição e ponderei se deveria ou não fazer uma crítica com spoilers – eu não gosto dessa palavra, assim como não gosto de nomes em inglês ou em francês para designar coisas e atitudes que possuem seu correlativo exato em nossa língua portuguesa. Mas, como estamos nesses tempos, falo spoilers.

E decidi que sim, vou adiantar algo do final do romance. Mas qual é o problema em se adiantar o final de um romance ou de um filme? Para mim só há problema se a obra for medíocre. Aí, sim, ela se resume a um final. Mas numa prosa de qualidade o que interessa mais é o desenvolvimento. O final é só um detalhe que precisa acontecer.

O escritor ou escritora de prosa precisa ter uma ideia de desenvolvimento em seu texto. Esse desenvolvimento, parágrafo após parágrafo, precisa ser coerente com a construção já iniciada nas primeiras páginas da obra, precisa haver uma organicidade, e essa organicidade deve ser sentida pelo leitor.

Claro que algumas vezes pode ocorrer de as páginas iniciais de um romance não desenhar de imediato essa organicidade ou as intenções do escritor. Mas geralmente são nos primeiros capítulos de um romance que nos são apresentados seus personagens e suas motivações. E nada pode estar ali apenas por enfeite, precisa fazer sentido no decorrer da obra, no desenvolvimento.

No início de O baú de Filomena, o patriarca da família Vieira morre. Isso é simbólico. Pois o livro é sobre um certo universo feminino e suas personagens centrais serão todas mulheres.

Mas há mulheres e mulheres…

Maria da Conceição, filha do senhor Joaquim Vieira, é uma mulher conservadora, de temperamento forte e de elevado sentido prático. Sua felicidade reside em manter as tradições herdadas de seus pais. Sem dúvida é a melhor personagem do livro.

Sua neta, Filomena, é o seu oposto. É uma mulher por vezes melancólica e mais independente do que foi Conceição.

Não que a avó não seja melancólica. Mas ela permanece alheia a isso. Sua vida é o rigor das tradições que mantém. Rigores esses que a fazem impor julgamentos sobre suas amizades, como quando se afasta de sua acompanhante porque esta é adepta do candomblé (capítulo três, página 26).

Custódio constrói essas duas personagens, e Jurema, com muito cuidado.

Se, a princípio, temos a impressão de que o romance se encaminha para ser um romance regionalista, essa impressão é desfeita com o cuidado maior que Custódio dispensa ao interior de suas personagens mais do que dispensa ao exterior, às paisagens ou hábitos do povo do interior do país. Claro que há esse comprometimento com certos aspectos regionalistas, a religiosidade popular é bastante destacada, sobretudo na parte dois, Século XXI, que compreende os capítulos quinze ao vinte e sete.

No entanto, é a intimidade das personagens que interessam mais para Custódio. Conceição governa seu frágil mundo de fortes tradições, isso sustenta sua vida. Talvez por amor ao pai, ela aceita que o mundo é conforme os valores tradicionais de casamento, cristianismo e propriedade. A morte do pai ocorre no início da narrativa e a impressão de que Conceição nos passa é que ela tomou a posição paterna, masculina, para si. Enfim, não estava feliz, mas estava casada. E isso é o que importava (capítulo seis, página 45).

Os focos centrais são as mulheres. A morte do pai, como mencionado, é um símbolo do romance inteiro. A sombra dessa morte masculina é sentida nos outros personagens homens do romance. Eles encarnam personagens fracos ou tolos, não raro provocam até desconforto, como Odilon Ferreira. Custódio, quando não mata seus homens, os representa com características não muito heroicas ou dignas.

Não necessariamente por isso, mas esse livro tem um ar feminista. Até certo ponto. Porque ele fala dos silêncios dessas mulheres. Esse silêncio é gritado nas cartas que se encontram no baú.

É uma narrativa que se revela, a partir da abertura do baú e do conteúdo das cartas, ainda mais intimista.

Custódio tem nessas caraterísticas seus pontos mais fortes.

O problema é o final.

Não é muito coerente, historicamente falando. É romântico. Jurema Tapuia herda as terras a partir da boa vontade de descendentes de portugueses. Talvez possa ocorrer, dada à época em que vivemos, mas até agora não ocorreu. E de qualquer forma, além disso, Filomena é tia de Jurema e é a mulher branca quem ensina para a tapuia: Mantenha viva tua história e tua cultura (capítulo vinte e seis, página 153). O que será quase impossível, já que Jurema é cristã devota de Padim Ciço. Sobre Jurema também notamos que, mesmo que a palavra final, na venda da fazenda, de certa forma, seja da tapuia, a personagem, ao longo do romance, é desenvolvida como um contraponto à seriedade cinzenta e introspectiva de Filomena.

 

FICHA TÉCNICA:

O báu de Filomena, de Tereza Custódio, Natal/RN, CJA, 2021, 159 pp.

 

                                                                             A escritora