Franklin Jorge
Autor de uma obra visceral e desconcertante, Benedictus Romeu vive retirado em seu ateliê-residência, no velho bairro onde a cidade nasceu, sem se deixar subornar por brilharecos provincianos. Formado em filosofia e sociologia, aposentou-se recentemente como professor do ensino fundamental. Nascido em Cruzeta, em 1952, parece-nos à primeira vista um erudito excêntrico que não se acanha de ser o que é, um ser complexo dominado pelo demônio da criação.
Conheci-o de maneira inesperada, uma tarde, quando ele bateu à minha porta, na Vila dos Espanhóis, para presentear-me com um exemplar de um livro quem acabara de publicar em uma pequena edição. Eu estava dormindo quando ele chegou e, por algum tempo, não fora a existência material desse livro que foge aos padrões locais, teria pensando que tudo não passara de um sonho.
Falando compulsivamente, como alguém que corteja a morte, aturdiu-me com a exuberante vivacidade de suas vivências, dentre as quais as lembranças de Dilma Rousseff. Seria o pai de Paula, a filha da ex-presidente, que ele teria conhecido entre os anos de 1959 e 1960, em Cruzeta. Ela estaria ali na companhia do pai, um comunista búlgaro. Reencontrou-a anos depois em Natal e em Brasília, já adulto, antes de sua mudança para o México. Lá, ela se casaria com o suposto pai de Paula, uma história e tanto!
Pintando e escrevendo há mais de 40 anos, mantém-se indiferente ao mercado e infenso à vaidade de se fazer reconhecido e aplaudido, pois o trabalho de idear e elaborar uma obra já seria para ele a única forma de gratificação possível. “Para mim, o produto do meu trabalho é secundário e não me interessa”, afirma, enquanto João Maria Alves tira fotografias de seus quadros que ocupam o seu ateliê-residência, um ambiente insólito que me faz pensar na caverna de Platão. “O importante para o artista é fazer. E ninguém, melhor do que você, sabe disto”, diz, antes que eu acrescente uma vírgula ao seu tumultuoso monólogo. E, todas as vezes em que ouso interrompê-lo, dispara: “Deixe-me falar! Deixe-me falar”.
Ele confessa que por duas vezes deixou de pintar, por causa de uns “sufocos” que teria passado na vida. Porém, o chamado da criação foi mais forte. “Não sei se acontece com outros artistas o que acontece comigo. Há quadros de que não gosto. A gente nunca sabe como terminar uma tela. Estou sempre refazendo meu trabalho. Afinal, não quero cair no hábito.”
Quanto ao seu livro, editado às suas custas e presenteado a algumas pessoas de quem gosta ou admira, não terá noite de autógrafos. “Meu livro já é famoso na Cidade Alta. E isto me basta!”
Franklin Jorge, diretor de Redação do Navegos, é autor dos livros “Ficções Fricções Africções” (Mares do Sul; 62 págs.; 1999), “O Spleen de Natal” (Edufrn; 300 págs.; 2001), “O Livro dos Afiguraves” (FeedBack; 167 págs.; 2015), dentre outros.
RETRATOS No alto, à esq., o pintor Benedictus Romeu em seu ateliê e, à dir., o quadro “James Dean”; acima, “Internos da Febem”, uma das telas que o também escritor mais gosta em toda sua obra