*Alexsandro Alves
“Amor Fati” é uma expressão latina que significa amor ao destino, no caso, ao destino do próprio indivíduo. Nietzsche usava essa expressão e como exemplo gostava de citar um trecho de “Carmen”, de Bizet: quando a protagonista é assassinada por Dom José e este, com a chegada da polícia, afirma “sim, eu matei a minha adorada Carmen”.
Segundo Nietzsche, o personagem assim assumiria sua dor ao mesmo tempo em que assumiria também seu prazer. No filósofo, essa atitude de devir é o caminho para a superação do homem além do bem e do mal, esse amor ao destino, seja ele bom ou ruim, é uma diferenciação do homem superior ante o homem inferior. Ainda em Nietzsche, buscar apenas o prazer é digno dos animais, o homem precisa saber sofrer suas dores e com ela transcender, se fortalecer com o que não lhe mata.
É fácil esvair o discurso e o ser na enganosa resiliência da autoajuda. Como evitá-la?
Através do cinismo.
Cultivar o cinismo, dar ao espírito uma espécie de ação adstringente contra a moleza da autoajuda. É aquele vinho seco muito forte com altas quantidades de tanino.
O real amargo da frase “Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis”. Esse cinismo que zomba, quando somos mais jovens, daquele tipo que acredita no amor, nos sentimos tão tristes, denominamos frases assim, em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, de pessimismo. Quando crescemos, damos risadas. É divertido, é como, volto a Nietzsche, “olhar de cima”, estar, “acima de si”. Tão diferente de Bentinho, este tolo inocente que acredita no amor ao ponto da dúvida e do ciúme. Que amor vale um fio branco?
Brás Cubas se torna o personagem mais cômico de Machado. Aquela comicidade não tão filológica, mas perpetuada no “Nascimento da Tragédia”, dos gregos que riam quando assistiam a uma. Reinterpretar a tragédia grega através do riso é uma das idiossincrasias nietzschianas mais adoráveis. Ter o espírito aberto ao riso diante do mal que assola a vida, a nossa e a dos outros, e entregar à mesma o desdém do cinismo como a única resposta elevada, precisa ser o nosso canto do bode, a nossa tragédia pessoal.
Brás Cubas saltou para o abismo apenas quando morreu. Mas essa defunto é uma metáfora para a consciência cínica, liberta e a morte do bode é o seu canto. Vivemos Brás Cubas quando nietzscheanamente morremos.