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O bom velhinho

Mossoroense e bancário aposentado relembra personagens com as quais tratou no curso de sua vida profissional ao ressaltar a figura de um juiz já octogenário que frequentava a agencia na qual trabalhava.

*Guilherme Cantidio

[email protected].;br

Dr. Gerson era um velhinho bem simpático. Oitenta e poucos anos, viúvo, juiz aposentado,
bastante espirituoso e dono de um humor e uma cultura geral invejáveis. Costumava ir à agência
quase que diariamente, às vezes só, outras, acompanhado da filha, que aparentava ter uns quarenta e poucos anos. Geralmente chegava por lá pouco antes do final do expediente externo, momento em que mantinha uma boa prosa regada à cafezinho com Ivo, o gerente, que se tornara seu amigo, cativado pelo carisma e bom humor do meritíssimo. Sempre que Dr. Gerson ia à agência acompanhado da filha, a conversa era bem burocrática, concernente à assuntos bancários – saldos, extratos, financiamentos, etc. Já quando ia só, era conversa de botequim. Contava seus casos, ria alto e provocava gargalhadas de Ivo e dos colegas próximos, que acompanhavam com interesse as
peripécias narradas por Dr. Gerson.

A característica mais marcante do meritíssimo, contudo, era inusitada: o velhinho era um

mulherengo de primeira. Adorava um rabo de saia e, longe de ser uma paixão platônica, ia à luta;
estava constantemente às voltas com “meninas de programa”, que chamava simplesmente de
“meninas”. Sempre que ia só à agência bater papo com Ivo, as “meninas” tinham lugar de destaque
na prosa.

Certo dia, uma segunda-feira, a filha do juiz esteve sozinha na agência, logo pela manhã, e

solicitou encarecidamente à Ivo que desse uns conselhos ao pai, pois no fim de semana o velhinho tinha ido ao Stalão, uma boate do Setor Hoteleiro Sul – conhecida por ser frequentada por mulheres de programa – e gastado todo o salário daquele mês. Imagina o salário de um juiz aposentado!

Ao final do expediente Dr. Gerson chegou na agência, só. Ivo não deixou barato e, conforme

prometera à filha dele, foi logo aconselhando: “Dr. Gerson, o senhor precisa parar com essa vida que vem levando. Um homem da sua
posição, envolvido com prostitutas…”

o estava certo que o sermão estava dando resultado, quando o juiz argumentou:

“Ivo, você sabe que a situação do país é de muita desigualdade econômica e que essas
“meninas” são bem desfavorecidas, então eu, na verdade, estou atuando como um instrumento de
distribuição de renda”.
A gargalhada foi geral, mas a do velho juiz sobressaía.

Guilherme