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O caçador que iluminava a cidade

Colaborador de Navegos evoca a memória de personagens tradicionais de Ribeira do Pombal, sua terra natal.

*Reynivaldo Brito

Quando o relógio marcava 18 horas e as estações de rádio anunciavam a hora da Ave Maria seu Tidinho acionava uma chave, e assim o potente motor Caterpillar começava a iluminar a Cidade de Ribeira do Pombal. O barulho e a trepidação que fazia, quando estava funcionando, ainda lembro até   hoje. De cor amarela e sempre brilhando devido ao óleo diesel que o alimentava e escorria pelo piso da usina. Ele era a alegria de todos os moradores, especialmente naqueles dias mais escuros durante o inverno quando mais valorizamos a iluminação. A cidade foi crescendo e passou a ter dois geradores.

Assim, a vida continuava depois de um dia ensolarado, agora sob a luz produzida pela usina termoelétrica sob a direção deste homem baixinho, meio gordinho, com seus passos apressados e os pés dentro de uma sandália, e que era um exímio caçador. Em cada parada ou conhecido que encontrava tinha sempre uma palavra ou até mesmo uma piadinha ligeira. Usava calças folgadas e quase sempre um pouco maior que seu tamanho corporal de modo que ficavam encobrindo parte das sandálias.

Era dispendioso e muito trabalhoso manter aquele motor funcionando à base de óleo diesel que era trazido inicialmente em tambores de metal. O óleo tinha que ser armazenado dentro de um tanque subterrâneo, uma operação complicada porque tudo era feito manualmente, para em seguida ser colocado no gerador.

Logo que o relógio cravava 22 horas, ou seja, 10 horas da noite as luzes eram apagadas e a Cidade virava um breu, completamente deserta. Lembro que seu Tidinho dava um ou doi sinais antes de apagar para as pessoas se prepararem acendendo placas e candeeiros, que sujavam a casa ou o estabelecimento comercial de fumaça. Muitos encontros, namoros e transas eram interrompidos até que fosse providenciada uma luz para substituir a elétrica que tinha se apagado.

Certa vez estávamos conversando num bar quando foi dado o sinal de que a luz seria desligada, mas o papo estava tão bom que não prestamos muita atenção, apesar da insistência do dono do bar para encerrarmos a conta. Quando a luz apagou foi aquele alvoroço e resolvemos pagar a conta e ir embora. Eu era o que morava mais longe na Rua da Santa Cruz, hoje Avenida Evência Brito. Desci com um medo danado e ao chegar na esquina onde tio Salvador, tinha uma loja de materiais diversos fui surpreendido por com uma inesperada colisão com outra pessoa que não enxerguei devido a escuridão. Ai me desvencilhei e passei a correr desesperado, quando de longe ouvi a voz de uma mulher me xingando de todos os palavrões possíveis. Era uma prostituta chamada Aninha que reconheci pela voz esganiçada. Aí parei de correr, respirei e segui meu caminho até que entrei em casa e fui aos poucos me recuperando do susto.

hobO seu nome é Agenor Soares da Silva, mais conhecido ´por seu Tidinho. Nasceu em Ribeira do Amparo em 31 de março de 1908 e era casado com Maria da Glória Soares, chamada de d. Glorinha. Tinha três irmãos d. Vivi que foi casada com seu Didi, pai do meu saudoso amigo José Armênio Alves; Quininha que reside em Aracaju e Francisco, que residia em Vitória da Conquista. O seu hobby preferido era as caçadas em companhia de seu cachorro perdigueiro e dos amigos que o acompanhavam, principalmente o Zé da Floresta. Eles se entendiam bem porque Zé da Floresta gostava de caçar animais no chão enquanto Tidinho tinha preferência em atirar quando as aves alçavam voo. Dizem que era um bom caçador e que acertava com facilidade uma perdiz ou nambu quando o cachorro farejava e elas voavam procurando se afastar.

Naquela época até as crianças de seis a sete anos já sabiam manejar um bodogue feito de tiras de borrachas que a gente arranjava de câmaras de ar, quando não mais serviam para usar nos carros. Também, armávamos arapucas, alçapões e zabumba (que é um buraco no chão, coberto por uma tábua onde se coloca dois pregos laterais para a tábua se movimentar. Para o animal não ver cobríamos a tábua com areia e quando o animal pisava caia a ficava preso no buraco.) Pegávamos muitos preás, nambus e outros bichos. Em outras regiões chamam de alçapão, fojo etc.  Nos finais de semana a garotada saía em grupos para caçar nos arredores da cidade, como no Caboré, no Zimpreste, no Brejo. Já os adultos iam em grupos, tanto de dia como durante as noites, para caçar veados, caititus, tatus, perdizes e nambus armados de espingardas de socar e poucos possuíam espingarda de cartucho.  Eles caçavam no Tabuleiro e mesmo nas matas que existiam, às margens da BR-110, hoje tudo virou pasto.  Não tínhamos naquela época a consciência atual de que devemos preservar os animais silvestres. Por isto, muitos animais estão ameaçados de extinção porque a caça predatória durou muitos anos em todos os rincões deste país. Antigamente se comprava nas bodegas e lojas alçapões feitos de arame e de taliscas de coqueiro, hoje é proibida a venda.

Seu filho José Cruz Soares da Silva, conhecido em Ribeira do Pombal, por Zé Foguinho, não lembra quando seu pai começou a trabalhar na Usina que fornecia energia elétrica para a Cidade. A usina ficava junto “a nossa residência na rua Júlio Guerra de Almeida, número 73. A energia era desligada às 22 horas, e antes meu pai dava um sinal avisando a todos que a luz ia apagar”. E continua José Soares “mais tarde meu pai se tornou Oficial de Justiça e passou a trabalhar por vários anos no Fórum da Cidade, diretamente com os juízes que se sucederam na Comarca de Ribeira do Pombal. O último conhecido foi o dr. Juarez Alves de Santana, que foi meu professor de Português, no Ginásio na década de 1960.  Por muitas vezes vi meu pai saindo de casa para entregar intimação montado num cavalo ou burro para ir aos povoados intimando as pessoas para as audiências no Fórum da Cidade.”

“Quando adolescente acompanhei por várias vezes nas caçadas que gostava de fazer e aprendi com ele o manejo de atirar de espingarda, que naquela época era de socar. Saíamos nos finais de semana, aos sábados ou domingos, de madrugada, por volta das 4 horas da manhã, e muitas vezes andávamos em média 15 a 20 km de ida e de volta. Meu pai me ensinou como atirar numa codorna voando e gostava de criar cachorro perdigueiro, que por sinal eram muito bons para levantar as codornas e nambus. ”

Depois que José Soares concluiu o Ginásio em 1969 veio para Salvador estudar, e geralmente em finais de semana ou nas férias vinha para Ribeira do Pombal e sempre o acompanhava nas caçadas. Um companheiro sempre presente em suas caçadas era o Zé da Floresta. No início de 1975 foi acometido de uma grave doença e levado para a Cidade de Alagoinhas, e depois para o Hospital Geral do Estado, em Salvador, que funcionava no bairro do Canela, onde veio a falecer. em 20 de janeiro de 1975.”

Deixou seis filhos: Moacy, (falecido) era um craque jogava na Seleção de Ribeira do Pombal e chegou a fazer um teste no Bahia, e não sei a razão por que não ficou, já que tinha muita habilidade com a bola; Ecy que reside atualmente em São Paulo, Enio e Eridan (ambos falecidos) e Sônia que reside em Ribeira do Pombal na mesma residência onde seus pais moravam. Já o José Soares, Zé Foguinho, mora em Salvador, mas sempre que pode vem passar uns dias na terra geralmente no mês de janeiro”.

Um amigo de fé de seu Tidinho era o José Alberto Cesar, 79 anos, conhecido como Zé da Floresta que tem uma bodega que ele denominou de Bar Zé da Floresta. Para ele seu Tidinho foi meu segundo pai.Foi ele que comprou este ponto por Cr$2.200,00, na Rua Antônio  Rodrigues Pereira, 66,  e me emprestou mais Cr$ 1 mil cruzeiros para eu comprar mercadoria. Depois ele me apresentou Moacy, seu filho, que não conhecia e aí ele ficou até falecer. Aqui eu vendo fumo e pão.  Se não vender fumo e pão não é bodega. Cachaça e outras coisas mais todos vendem “, diz com orgulho o bodequeiro Zé da Floresta.

Ele andava muito na roça, lá no Pau Ferro. Tidinho ia e a gente ficava por lá uma semana caçando e tomando umas. Ele gostava muito de Jurubeba Leão do Norte.  Eu morava sozinho. Quando comprei a bodega ele vinha duas a três vezes ao dia. Era uma grande amizade. Eu era caçador de chão e ele caçava atirando quando as nambus e perdizes voavam. O dinheiro era de Toinho, meu primo, que guardava debaixo do colchão.  Com 30 dias fui pagar os juros, mas Tidinho não quis receber os juros, depois quitei tudo direitinho.  Ele comemorou 50 anos de sua bodega com muita cerveja para os clientes. Lembrou Zé da Floresta que às vezes estava no brega e Tidinho apagava a luz a gente ficava brabo. Lembro quando Eninho casou ele ficou muito feliz e tomou muita cerveja na comemoração. Depois foi me encontrar na roça. Eu estava caçando perto de Tucano. Ele tomou o rastro e foi bater lá. Passamos uma semana farreando e caçando. Tidinho só vivia rindo, era uma pessoa boa demais”.

Quando indagado o porquê deste apelido Zé da Floresta ele explicou que as pessoas iam procurá-lo e sempre o pai respondia o “Zé está no mato caçando.” Foi numa dessas idas à casa do José Alberto que Paulo e Palmeira, que eram funcionários do Banco do Nordeste, em Cícero Dantas, amigos de Moacy, filho de seu Tidinho, decidiram colocar o apelido em José Alberto de Zé da Floresta, e aí o apelido pegou. Tem até uma música gravada em fita cassete mostrando as peripécias do Zé da Floresta no seu bar, WC.

NR – Agradeço o empenho de Hamilton Rodrigues, meu parceiro nesta empreitada de trazer informação sobre estes personagens que marcaram com suas presenças e seu trabalho em nossa Ribeira do Pombal.