• search
  • Entrar — Criar Conta

O café nosso de cada dia

O amor do brasileiro pelo café agora é parcelado em parcelas de ódio e tristeza no governo do amor! Uma crônica de Abraão Gustavo.

*Abraão Gustavo

[email protected]

 

 

Hoje acordei decidido: ia tomar um café. Mas não qualquer café—um daqueles de padaria, no copo americano, que vem forte e preto como a alma de segunda-feira.

Entrei no estabelecimento animado e pedi um pingado e um pão na chapa. O balconista, um sujeito magro de bigode ralo, hesitou.

— O senhor quer mesmo?

Estranhei a pergunta.

— Ué, por quê?

Ele olhou para os lados, abaixou o tom e cochichou:

— O café subiu.

— Subiu quanto?

— Bom… O senhor quer saber o preço do dia ou da última hora?

Achei que ele estivesse brincando, até notar que um homem na mesa ao lado segurava uma xícara vazia e apenas a cheirava, com os olhos marejados. Outro cliente pagava o café em três vezes no cartão.

— Mas e aquele café do bule, que ficava de graça no balcão?

Ele suspirou, pesaroso.

— Foi confiscado pela Receita Federal.

Nesse momento, um sujeito entrou correndo e perguntou, ofegante:

— Chegou café do Paraguai?

O padeiro fez que não com a cabeça. O homem soltou um palavrão e saiu batendo a porta.

Desisti do café e pedi um leite.

— O senhor quer puro ou parcelado?

Agradeci e fui embora. Do lado de fora, um grupo discutia as cotações da bolsa de valores.

— E o café? — perguntou um deles.

— Subiu mais que o barril de petróleo! — exclamou outro.

Fiquei ali, parado, olhando para o horizonte. O café agora era artigo de luxo. E eu, um mero ex-bebedor, sem condições de sustentar o vício.

No caminho de casa, parei no mercado e fui direto à prateleira de chás. Era isso. O jeito era mudar de hábitos. Peguei um pacotinho de camomila e fui para o caixa.

— Vai querer parcelar?

Deixei o chá e fui embora.