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O circo mambembe da cultura parou na estação atraso

Artista e professor de renome, nascido em Mossoró, Vicente Vitoriano reflete sobre a questão cultural que, embora grave e aparentemente insolúvel, não o faz perder o otimismo.

*Franklin Jorge

 

Como descreveria o cenário cultural da cidade?

Da minha janela, vejo muitas coisas acontecendo, esparsas e isoladas em seus nichos, com seus reduzidos públicos. O que salta aos olhos são os megaeventos com artistas… de fora. Se posso chamar o que descrevo como cenário, não o vejo muito diferente do de sempre. Metaforicamente, sempre tivemos luzes se acendendo, mas sempre insuficientes para substituir as que se apagam.

A que atribui o anonimato de nossos artistas no contexto nacional?

Para usar um termo em voga, creio que, no geral, falta empreendedorismo individual dos artistas e grupos. Não se trata de esperar pela ação do setor público, sempre empacado na promoção dos circos a que me referi acima, mas que poderia investir mais na formação profissional num sentido amplo que vá além de oficinas de técnicas.

Acha possível mudar isto? Como?

Tenho fé no possível, mesmo difícil. Não sei se posso falar que existe uma cultura de isolamento e de timidez, entre os jovens em começo de carreira, reforçada pela paúra dos editais, sempre tão burocráticos. A formação ampla de que falei, a ser começada nas escolas, pode ser um caminho para minimizar esta situação. Tenha em vista que estou, em geral, pensando na área das artes visuais em que a insegurança em trabalhar com meios tradicionais é incrementada pelo vazio do discurso sobre “arte contemporânea”. Coisas como “desmaterialização da obra” (conceitualismo) e “engajamento obrigatório” também devem ser alvo de desmitificação. O que foi engendrado para a ampliação da liberdade criativa acabou funcionando ao contrário.

Recentemente um professor de Letras radicado no Maranhão, ao voltar de férias após uma ausência de cinco anos surpreendeu-se ao reencontrar a cidade do mesmo jeito, ou pior, em termos culturais, daquela que ele deixara. Sobretudo o surpreendeu reencontrar nos mesmos cargos as mesmas pessoas. Que diria a respeito?

Infelizmente, as práticas do nepotismo, do apadrinhamento e das chamadas panelinhas resistem às demandas pela especialização e pelo profissionalismo do trabalhador, de um modo geral. Pessoas simpáticas aos que estão no poder, por mais que sejam ignorantes, são as escolhidas para ocupar cargos, inclusive na área da cultura. Num ambiente nacional cheio de exemplos nefandos, fica cada vez mais difícil reverter tal coisa.

Crê que a cidade parou no tempo? 

Não. Como afirmei, muita coisa acontece, de modo que não podemos pensar que estacionamos. Mas, certamente, estamos atrasados.

Há algum diferencial entre as gestões do ex-prefeito e do atual? Qual?

Não tenho muito o que possa me possibilitar uma análise como esta.

Como você vê a profanização do ciclo natalino? Gramado e Canelas, por exemplo, e Curitiba, parecem estar mais próximas do espírito natalino do que a nossa cidade que tem o natal no próprio nome. A que atribui essa distonia?

Estive uma vez em Gramado e o que me pareceu foi que a organização turística do natal ou para o período natalino não tem muito de sagrado. É tudo muito comercial mesmo, como acontece, em qualquer lugar, inclusive com outras festas de origem católica. Entendo que não poderia ser diferente por aqui, mesmo que nossa cidade se chame Natal.

Parece-me que nossas instituições esqueceram a Literatura. Crê que o gênero está fadado a desaparecer?

Não sei se a existência de prêmios literários dados por instituições representaria, por si, uma lembrança da literatura. No que creio é em que, apesar de uma certa propaganda da leitura, a capacidade de ler das novas gerações ou mesmo da atual sociedade como um todo está muito minguada. Não pode haver literatura em livros sem leitores, nem leitores sem uma boa educação. O que me parece é que a literatura em livros se transformou numa literatura de roteiros cinematográficos ou televisuais cuja apreensão é menos complexa. Neste sentido, como gênero, a literatura não está desaparecendo, apenas mudando de meios.

Crê que o exercício da crítica ainda vale alguns coisa?

Entendo que o que ainda posso ver como crítica contemporânea tem um valor muito restrito, assim como sua exposição à leitura. Mais que nunca, me parece, o que ainda resta da crítica de arte tem sido um exercício de uma vaidade acadêmica baseada em citações de fontes que não pertencem à história ou filosofia da arte. Tal vaidade é bem amplificada em relação àquela dos connoisseurs do século XIX. Na verdade, uma desvalorização da crítica em nossos dias teria a ver com a dissolução dos critérios que acompanhou a já citada desmaterialização da arte. Talvez possamos dizer que ainda estamos aprendendo a fazer uma crítica adequada às novas tendências artísticas e isto já vem rolando há, pelo menos, sessenta anos.