*Frederico Toscano
Depois da estreia de Tancredi, em 1813, o sucesso de Rossini estava assegurado. Sua ária “Di tanti palpiti” se tornou tão popular que os italianos cantavam-na em multidões nos tribunais até que o juiz ordenasse que parassem. Rossini escreveu mais 30 óperas, tanto sérias quanto cômicas, culminando a fase italiana de sua carreira com Semiramide.
Um de seus contemporâneos, o siciliano Giovanni Pacini (1796-1867), pesarosamente mencionou em suas memórias que durante o apogeu rossiniano todos tinham de se tornar seus imitadores, pois não havia outro modo de ganhar a vida. Das 74 óperas de Pacini, 25 delas foram escritas enquanto Rossini dominava a ópera italiana, sem espaço para qualquer concorrência. Basta observar a programação da Ópera de Viena em 1822, quando Rossini regeu seu sucesso La Cenerentola e a nova Zelmira: apenas óperas rossinianas em exibição. Escreveu Sthendal em sua biografia de Rossini:
Napoleão está morto; mas um novo conquistador está se apresentando para o mundo; de Moscou a Nápoles, de Londres a Viena, de Paris a Calcutá, seu nome é citado em todas as línguas. A fama deste herói não conhece fronteira.
Após Semiramide, Rossini se mudou para Paris, a Meca de tantos compositores italianos bem-sucedidos, e passou a escrever óperas em francês. A última de suas obras em língua francesa, a grande ópera Guillaume Tell (1829), é muito distinta de suas óperas italianas. Depois dela, então com 37 anos, Rossini parou de compor óperas. Viveu mais quase 40 anos, primeiro em Bolonha, depois em Florença e Paris. Era um conhecido contador de anedotas e gourmand. Há uma receita famosa que leva seu nome: Tournedos Rossini. Ele é basicamente um alto filé mignon servido com uma generosa fatia de foie gras por cima e molho feito com vinho, demi-glace e algumas lascas de trufas.
Segundo Burton Fisher, em The Barber of Seville (Opera Classics Library Series, 2005), até sua aposentadoria em 1829, Rossini era o mais popular compositor de óperas da história. Mas, afinal, por que ele teria desistido? Certamente tinha alcançado segurança financeira e não precisava escrever continuamente novas obras. Os hábeis investimentos que fizera, com os direitos autorais recebidos e a pequena fortuna ganha na Inglaterra, permitiram-lhe viver folgadamente. Os Massin chamam a atenção para se ver nessa retirada precoce principalmente o sinal de esgotamento físico de um homem que há muito tempo retirava de sua própria inteligência os recursos de sua sobrevivência, com um esforço acima do suportável. O Rossini que se calou em 1830 era um homem doente. Acumulara toda uma série de aflições estomacais e intestinais que certamente tinham reflexo sobre seu estado mental. A seu amigo, o pintor Guglielmo de Sanctis (1829-1911), ele tinha escrito: Sair de cena na hora certa também exige gênio.
Também deve ser considerado que nos anos em torno de 1829 já surgiam modos novos e mais diretos de escrever ópera italiana que Rossini não queria emular. Já mais velho escreveu algumas primorosas peças religiosas, como o Stabat mater (1831) e a Petite Messe solennelle (1864), e entreteve seu salão parisiense com miniaturas instrumentais e vocais jocosamente chamadas Péchés de vieillesse (Pecados da velhice). Entre as mais pungentes destas últimas há várias composições para voz e piano de um antigo texto de Metastasio, Mi lagnerò tacendo dela mia sorte amara (Choro em silêncio minha amarga sina).
Escolher Metastasio para emitir tais declarações “confessionais” torna mais pertinente a questão levantada por Abbate e Parker: para qual direção Rossini estava voltado? Para o século XVIII com sua frieza arcadiana, ou para o mais vago, porém emocionalmente mais explícito futuro romântico? Já no fim da vida, quando compunha seus Péchés, Rossini lamentava o moderno gosto operístico, dizendo que a decadência começara com a saída de cena dos castrati, cantores cujos corpos tinham sido mutilados na busca da pureza vocal. Na música de Rossini outros aspectos sugerem uma ponte com o século XVIII: os conjuntos de ação farsesca nas óperas-cômicas e a similaridade de seu gosto orquestral com o que Mozart praticava.
As óperas italianas de Mozart foram ocasionalmente reapresentadas na Itália durante a primeira metade do século XIX, e em geral foram consideradas muito difíceis – tanto melódicas como atordoantemente densas, demasiado cheias de detalhes harmônicos e de contrapontos orquestrais. Por outro lado, na sua juventude, Rossini estudou tais óperas e por elas ficou profundamente marcado. Basta comparar os dois Barbieri di Siviglia, o de Giovanni Paisiello (1740-1816) e o de Rossini, para percebermos a diferença especialmente quanto à estrutura. A ópera de Paisiello é concebida como uma série de árias e duos, e os personagens só se encontram em conjunto no final. Na ópera de Rossini, as fórmulas as mais diversas se sucedem com a maior das velocidades. Duos, trios, árias, quartetos e maiores conjuntos configuram uma espécie de geometria de figuras variáveis em perpétuo movimento. A questão é que entre as duas versões operísticas da primeira comédia de Pierre-Augustin de Beaumarchais (1732-1799) está Le nozze di Figaro, em que Mozart demonstrara a possibilidade de sair das fórmulas rígidas que a ópera italiana continuava a impor.
Para os compositores italianos, incluindo Rossini (embora fizesse uma exceção para Mozart), os compositores alemães eram dominados pela harmonia e por uma orquestração complexa: suas obras teatrais deveriam ser apenas para orquestra, com vozes opcionais. Um dos primeiros autores sobre Rossini, Giuseppe Carpani (1751-1825), compartilhava do gosto do compositor, e o expressou assim na sua obra Le Rossiniane ossia lettere musico-teatrali (1824):
Se, então, o compositor dispõe do mais belo texto poético para pô-lo em forma de música, ele não deve tratá-lo de maneira tão servil que o faça perder de vista seu principal dever, que é o de oferecer prazer musical. A expressão deve ser, portanto, seu objetivo secundário, e ele deve sempre tratar a ideia musical como sua meta primária.
Não poderia haver melhor resumo do código de Rossini, um código no qual as palavras devem ser sempre subservientes à música, assim como pregava Mozart, e no qual o objetivo é um prazer estético sem palavras. Stendhal tinha uma teoria curiosa sobre as origens da diferença entre os gostos italiano e alemão:
O alemão, que devido ao clima gélido do Norte tem uma fibra corporal mais grossa, precisa que sua música seja mais barulhenta; e além disso, esse mesmo frio […] conspirou, junto com a carência de vinho, a destituí-lo de uma voz que cante.
Essa polêmica, que ficou mais movimentada com a onda rossiniana, continua a circular em torno da ópera durante o século XIX. As óperas-sérias italianas de Rossini, que eram o mais puro exemplo do ideal vocal, tornaram-se injustamente vítimas no longo desenrolar desse processo. São mundos distintos. Mas suas óperas-cômicas sobreviveram e prosperaram. O que há em Rossini que lhe permitiu imprimir sua visão humorística tão permanentemente no firmamento operístico? A obra que talvez seja a mais próxima de Mozart, tanto em termos musicais quanto no espírito, segundo Abbate e Parker, também estava entre as mais bem-sucedidas: La Cenerentola. Nela estão presentes as habituais situações da ópera-cômica, como um criado mais sensato do que seu patrão, mas o tom dominante – e aqui a conexão com Mozart é mais forte – é o de uma comédia sentimental.
Tal como era, a fórmula rossiniana de compor dominou um século de ópera italiana. Algumas vezes essa fórmula, nos piores casos, produziu a caricatura mecânica que muito erradamente é designada pela expressão bel canto, adverte Jean e Brigitte Massin; outras vezes foi capaz de produzir obras-primas, tão diferentes umas das outras que não parecem estar referidas a uma mesma estética inicial. Não é certo que Rossini tenha alguma vez se dado conta da novidade e da solidez da fórmula que aperfeiçoara.