*Luís da Câmara Cascudo
O Maranhão apareceu no horizonte, logo depois do meio-dia de 11 de agosto de 1889. A Fortaleza os Reis Magos salvou. O navio, embandeirado e espelhante, ficou ao largo. Natal inteira estava no Cais da Alfândega esperando Sua Alteza o Príncipe Consorte, Gastão d’Orleans, Conde d’Eu.
Desde julho nomeara-se uma comissão para os festejos principescos. Compunha-se o Comitê dos srs. José Moreira Brandão Castelo Branco, presidente da Assembléia Legislativa, Manuel de Carvalho e Souza, 1º Secretário, o engenheiro Luiz Soter Tompson Viegas, fiscal da Estrada de Ferro Natal-a-Nova Cruz, o industrial Juvino Cezar Paes Barreto, o comerciante José Domingos de Oliveira, o médico José Calistrato Carrilho de Vasconcelos e o professor Odilon de Amorim Garcia.
O Presidente da Província era Fausto Carlos Barreto e o Chefe de Polícia interino, Lourenço Justiniano Tavares de Holanda. Gente miúda e graúda ficou firme esperando o Marechal Conde d’Eu, olhando a guarda-de-honra, de grande-gala, os altos guritões ornamentais ao sol tropical. O Palácio do Governo, na Rua Conselheiro Tarquínio (Rua Chile hoje) cheirava e brilhava como uma noiva.
Às três horas Sua Alteza pisou o barro do cais. Era alto, forte, cortês, duro de ouvido, sorridente, saudando todos. Causou decepção ao povo não estar fardado, cintilando de medalhas, penachos e dourados. Príncipe só se entendia bem enfeitado. Impressão maior determinou o Barão de Corumbá, almirante João Mendes Salgado, que desceu fardado, enluvado, sisudo.
Sua Alteza foi ao Palácio e logo saiu em visitas. O primeiro lugar foi a Matriz. Orou e subiu, degrau a degrau, até o eirado da torre. Lá em cima encontrou Manuel Teófilo da Costa Pinheiro, que morreria tenente coronel do Exército, e, sendo republicano, escondera-se para não ver o marido da futura Imperatriz. Viu-o e deu-lhe a mão, ajudando-o a vencer o derradeiro obstáculo.
Sua Alteza examinou as repartições públicas, Telégrafo, Tesouraria da Província, Tesouraria da Fazenda, o Ateneu.
Cedo, seis horas, jantar. Naquele tempo adorável o jantar era às três. O banquete oficial quando do casamento do Conde d’Eu com D. Izabel fora às três horas.
Acenderam-se os noventa e cinco candeeiros da iluminação da Cidade do Natal. Conversas, saudações, projetos. Às nove horas a corneta tocou recolher e o Príncipe foi dormir. Não houve teatro, música, discurso, declamação nem baile. O povo antigo tinha um juízo admirável.
Cinco horas da manhã de 12 de agosto de 1889. O Conde d’Eu e comitiva seguem, em trem especial, para Piquiri onde Sua Alteza bebeu água do rio e achou bom. De volta, parada em S. José de Mipibu e almoço na casa do Juiz de Direito, Jerônimo Américo Raposo da Câmara, que várias vezes governaria o Rio Grande do Norte republicano. Chegada ao Natal. O Conde d’Eu trouxe sequilhos e beijus de S. José.
Palestra no Palácio, visita ao edifício da Alfândega. Despedidas coletivas e individuais. Abraços. Ida para o cais. A Guarda de Honra apresenta armas. Palmas. O Príncipe, descoberto, sereno, agradece. Toma o escaler. O Presidente levanta o viva protocolar. Adeus, Alteza…
Estava lá fora outro navio, o São Francisco, da Companhia Pernambucana de Navegação a Vapor. O comandante, Joaquim José Esteves Júnior, convidou o Presidente, a comissão e autoridades para um passeio de alguns minutos, seguindo o Maranhão. Todos aceitaram. O S. Francisco comboiou o Maranhão onde o Conde d’Eu saudava.
Noventa por cento dos convidados ilustres pisava pela primeira vez num barco. Quando o S. Francisco começou a subir e descer nas ondas verdes, nem queiram saber o que sucedeu, com toda aquela gente enjoada, enjoada, enjoada…
Finalmente, o navio seguiu. Os natalenses voltaram, satisfeitos, cansados com o dia glorioso. O Maranhão, claro como uma fogueira flutuante, sumia-se no horizonte escuro.
A noite caiu. A cidade voltou a sua monotonia pacífica. As conversas giravam derredor do Conde d’Eu, sua glória, vida, triunfos, felicidades.
Noventa e três dias depois, de remeiro à Presidente da Província, todos davam graças a Deus de não lhes haver permitido que, na terra fossem Sua Alteza Gastão d’Orleans, Conde d’Eu, Príncipe Consorte no Império do Brasil, Marechal do Exército e grã-cruz de todas as ordens.
A República, Natal, 30 de março de 1939.
Fonte: Acervo LUDOVICUS – INSTITUTO CÂMARA CASCUDO
