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O corpo do romance

Em entrevista de 2000 ao Journal of Hispano American Notebooks, um dos grandes escritores chilenos de sua geração reporta-se ao romance como uma estrutura difícil e uma estrutura tremenda.

*Roberto Bolaños

Foi comentado que The Wild Detectives poderia ser lido como um conjunto de histórias independentes. Na verdade, uma nova história independente surgiu a partir daí: Amulet. E que o seu seria, portanto, “o tipo de romance que Borges teria concordado em escrever”. O que você acha disso?

É uma grande generosidade da parte de Ignacio Echevarría, que foi quem fez o comentário. Para mim Borges é o maior escritor de língua espanhola do século XX, sem a menor dúvida. O escritor total. Ele é um grande poeta, um grande escritor de prosa, um grande ensaísta, ele é perfeito. Borges é ultrajante. Borges é Borges. Mas quero salientar que Wild Detectives não é um conjunto de histórias: é um romance, e um romance com uma estrutura muito difícil e uma unidade tremenda. O fato de uma história vir daí não tem nada a ver com isso.

Um romance, como diz Stendhal, é um espelho ao longo do caminho, histórias que passam ao longo do caminho. Em busca do tempo perdido nada mais é do que uma sucessão de pequenas histórias. Porém, Em busca do tempo perdido é um romance de estrutura de ferro. Cada mudança, no momento em que você coloca um ponto final em um romance, de uma forma ou de outra, isso o confronta com uma nova história. É como a vazante e o fluxo do mar. Cada vez que há um ponto final, a história tem que tomar um novo fôlego. Outros personagens ou outra situação nova têm que aparecer. Pelo menos uma barra diferente. Isso já faz de uma história uma concatenação de pequenas histórias. Mas é que tudo na vida física é uma concatenação.

O corpo nada mais é do que um acúmulo de pequenas histórias, moléculas, átomos, que ao se unirem estão criando isso. Agora, uma coisa é uma história e outra é um romance. Absolutamente tudo cabe em um romance, sim. Mas um romance é um romance. Tem regras: em um romance, uma história totalmente separada, como em um corpo, ou vira um câncer que você tem por dentro ou vira uma coisa que sai, como um filho, mas no meu romance não sai nada, está tudo absolutamente colado. Tem ligações, tem até rodovias que te levam muito longe, mas aí sempre tem um caminho de volta.

Para mim, um dos melhores romances da língua espanhola é 62, modelo a construir, de Cortázar. 62 é um romance que você pode entrar em qualquer lugar, que pode sair de qualquer lugar, e ainda assim o romance está totalmente preso. É talvez um romance elástico, não há ferros, há materiais maleáveis, dúcteis. Não é por isso que o corpo do romance está quebrado.

Roberto Bolaño
Entrevista a Dunia Gras Miravet
Journal of Hispano American Notebooks
Madrid, outubro de 2000

Minha ambição, ao colocar La vie mode emploi no canteiro de obras, há dez anos, era desenvolver uma máquina para produzir romances, emaranhados de contos concomitantes, à maneira de Dos Passos, o pai do “simultâneo”. Alguma escolha comer uma encycolpédique fermentando, amontoando-se à sufocação, por que não? Basicamente, Modo de vida de trabalho é uma metáfora para o trabalho do escritor, sua megalomania e sua esquizofrenia. Na margem do próprio texto, já existem exemplos possíveis de romanos, que são totalmente reconstituídos graças ao índice. Eu amo os índices.

Deste ponto de vista, faz muito sucesso, este armazém de novelas: vais ser a autora Eu pesquei mais, nos anos por vir. Estou satisfeito! Eu mesmo identifiquei tantos autores!

Entrevista de Georges Perec a Jean-Louis Ezine

Literary News, outubro de 1978

Foto: Roberto Bolaño