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O destino de Flaubert

Autor de “Os caminhos que se bifurcam”, considerado um dos maiores escritores do século passado, percebe que escrever é um destino e Flaubert  não queria repetir ou superar um modelo anterior, mas encontrar sua própria dicção. 

*Jorge Luís Borges

O poema de Milton abrange o céu, o inferno, o mundo e o caos, mas ainda é uma Ilíada, uma Ilíada o tamanho do universo; Flaubert, por outro lado, não queria repetir ou superar um modelo anterior. Ele pensava que cada coisa só pode ser dita de uma maneira e que é obrigação do escritor encontrar essa maneira. Clássicos e românticos argumentavam estrondosamente e Flaubert dizia que seus fracassos podiam ser diferentes, mas que seus sucessos eram os mesmos, porque o que é belo é sempre o que é preciso, o que é justo, e uma boa fala de Boileau é uma boa fala de Hugo.

Ele acreditava em uma harmonia pré-estabelecida entre o eufônico e o exato e se maravilhava com a “relação necessária entre a palavra certa e a palavra musical”. Essa superstição da linguagem teria feito outro escritor inventar um pequeno dialeto de maus costumes sintáticos e prosódicos; não o mesmo para Flaubert, cuja decência fundamental o salvou dos riscos de sua doutrina. Com longa probidade ele perseguiu o mot juste, que aliás não exclui o lugar-comum e que mais tarde degeneraria no vão mot raro dos cenáculos simbolistas.

A história conta que o famoso Laotsé queria viver em segredo e não ter nome; um parceiro disposto a ser ignorado e um parceiro famoso marcam o destino de Flaubert. Ele queria não estar em seus livros, ou apenas queria estar de uma forma invisível, como Deus em suas obras; o fato é que se não soubéssemos anteriormente que a mesma pena escreveu Salammbó e Madame Bovary não adivinharíamos.

Não é menos inegável que pensar na obra de Flaubert é pensar em Flaubert, o trabalhador ansioso e laborioso de muitas consultas e inextricáveis ​​minutas. Quixote e Sancho são mais reais do que o soldado espanhol que os inventou, mas nenhuma criatura de Flaubert é real como Flaubert. Aqueles que dizem que seu trabalho capital é a Correspondência eles podem argumentar que nesses volumes viris está a face de seu destino.

Esse destino permanece exemplar, como foi o de Byron para os românticos. À imitação da técnica de Flaubert, devemos The Old Wives ‘Tal e O primo Basilio; seu destino se repetiu, com misteriosas ampliações e variações, no Mallarmé (cujo epigrama The Purpose of the World é um livro que fixa uma convicção de Flaubert), no de Moore, no de Henry James e no do intrincado e quase infinito irlandês que teceu o Ulisses.

Jorge Luis Borges.

Discussão, 1932

Editora: Emecé

Foto: Flaubert