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O detetive que sabia demais

Colaborador de Navegos enriquece bibliografia dos Quadrinhos escrevendo com fluência e estilo sobre Zózimo Barbosa, personagem que é uma espécie de anti-James Bond, anti-herói mais próximo da chanchada noir.

*Jamal Singh

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O detetive Zózimo Barbosa é o anti James Bond. Alheio à Guerra Fria ou aos planos mirabolantes de supervilões ensandecidos dispostos a dominar o mundo, este Sam Spade dos trópicos, especializado em investigar a velha e boa infidelidade conjugal, só teme a fúria sanguinária que eventualmente desperta em seus clientes quando lhes dá a fatídica notícia: Sim, meu senhor, tua mulher está te botando chifres!

“Zózimo Barbosa – O Corno que sabia demais e outras histórias” é uma chanchada noir, uma referência às clássicas chanchadas brasileiras que fizeram muito sucesso nos cinemas entre as décadas de 1930 e 1950, cuja graça residia, além da comédia de apelo popular com tons maliciosos, na paródia de filmes norte-americanos. E, naturalmente, Zózimo é um legítimo herdeiro dessa turma. com um detetive que investiga casos extraconjugais (estilo o J.J. Gittes de Jack Nicholson em “Chinatown“), cercado de personagens que seriam pouco típicos na literatura noir estrangeira, mas que caem como uma luva para a  nossa cultura tupiniquim.

A influência mais clara da HQ, que o próprio autor também faz questão de escancarar, é do pernambucano radicado no Rio, Nelson Rodrigues. A começar pelo fato de todas as histórias curtas do álbum se situam no Rio de Janeiro dos anos cinquenta (com direito a mencionar o suicídio de Getúlio Vargas logo de cara) e várias gírias características da época. São histórias curtas, com Zózimo Barbosa às voltas em cada uma com um determinado caso, seja uma dívida ou um caso extraconjugal. Zózimo é amoral e niilista, sempre buscando o melhor para si, um meio para justificar determinado fim, mas não antes de revelar em situações tragicômicas aspectos surpreendentes que residem em cada personagem, de tipos tão previsíveis quanto inesperados.

As histórias são ótimas , como a do velho no asilo, que até se dá ao direito de fazer sentenças estilo rodrigueano, como “todo velho é um FDP“. A melhor e mais divertida narrativa, que é a história que dá título ao volume, me lembrou demais “A Mulher Sem Pecado“, primeira peça do dramaturgo pernambucano. Além de Zózimo se repetem nas histórias O Bonitão, um galanteador comum em todas as capitais desse país (e que parece saído diretamente da peça “O Pagador de Promessas“) e Paranhos, o típico policial que resolve tudo na base da porrada, e com moral duvidosa. O traço é bem cartunesco em todos os contos.

Se essas histórias lhe parecem familiares mas você nunca leu essa HQ, é porque talvez já tenha assistido ou ouvido falar de Cidade Proibida, uma série da rede Globo que adaptou para a telinha as aventuras de Zózimo, com relativo sucesso, a ponto de declararem que ela teria uma segunda temporada, que ainda não foi produzida. Duas histórias de Zózimo foram publicadas originalmente na Revista “Canalha” em 2000, e depois ele teve um álbum lançado pela Editora Pixel, em 2007. Em 2017 ele foi republicado com mais alguns histórias inéditas pela Editora Noir, no álbum “Zózimo Barbosa – O Corno que sabia demais e outras histórias”. Além dos quadrinhos, a obra está repleta de materiais extras, como a apresentação dos personagens (por eles mesmos), a origem de Zózimo, o processo de criação passo a passo, esboços e estudos dos personagens e muito mais.

“Zózimo Barbosa – O Corno que sabia demais e outras histórias” tem roteiro de Wander Antunes, que ao longo de sua carreira já escreveu “Memórias de chuteiras”, “Nosferateen”, “A boa sorte de Solano Dominguez”, além de oito albúns de HQ na Europa; e arte do ilustrador, quadrinista e animador Gustavo Machado , que já trabalhou com o Sítio do Pica-pau Amarelo, Zé Carioca, Os Trapalhões, Sergio Mallandro, Gugu, Corcunda de Notre Dame, Hércules, Mulan e Tarzan. Pra quem gosta de Nelson Rodrigues, chanchadas e tem uma queda por literatura noir, é uma ótima pedida.