*Paul Valéry
O egoísmo literário consiste, em última análise, em desempenhar o papel de si mesmo; em fazer-se um pouco mais do que era alguns momentos antes de ter a ideia de ser um. Dando aos seus impulsos ou impressões um seguidor consciente que, à força de distinguir, de esperar por si mesmo e, sobretudo, de tomar notas, se delineia cada vez mais, e se aperfeiçoa de obra em obra segundo o progresso da arte do escritor, é substituído um personagem inventado que insensivelmente acaba sendo tomado como modelo. Nunca devemos esquecer que uma arbitrariedade infinita se infiltra na observação que fazemos de nós mesmos.
[…]
Há, então, duas maneiras de falsificar: uma pelo trabalho de embelezamento; o outro pela dedicação em tornar realidade.
Talvez este segundo caso seja o que revela uma afirmação mais intensa. Também indica uma certa desesperança de excitar o interesse público por meios puramente literários. Os verdadeiros não estão muito longe do erotismo.
Por outro lado, os autores de confissões ou memórias ou diários íntimos são invariavelmente os que se decepcionam com essa esperança de surpreender; e nós os desapontados dos desapontados.
Nunca é a si mesmo que se quer exibir como é; todos sabem que uma pessoa real não tem muito a nos ensinar sobre o que ela é. Por isso, escrevem-se as confissões de outro mais interessante, mais puro, mais negro, mais vivo, mais sensível e também mais ele mesmo do que o permitido, pois no “si mesmo” há graus. Quem confessa mentira, foge do verdadeiro autêntico, que não existe ou é informe e, em geral, indistinto. A confiança sempre sonha com a glória, com o escândalo, com as desculpas, com a propaganda.
Paul Valéry
“Stendhal”
Editora Visor
Foto: Paul Valéry