*Juan Gabriel Vásquez
Um romancista que escreve ensaios, e particularmente se esses ensaios falam sobre a arte do romance, é como um náufrago que envia coordenadas: ele quer dizer aos outros como podem encontrá-lo. Ele também, é claro, quer se encontrar; em outras palavras, saber como ler os romances que escreve. O ensaio é uma exploração, uma tentativa, uma investigação, e o romancista escreve para descobrir e traçar os limites do seu conhecimento e a forma das suas certezas. Nesse sentido, pode-se dizer, é um gênero confessional. Esses ensaios são vestígios daquela vida anômala que nós, romancistas, temos, daquela vida paralela que escrevemos, ou que escrevemos, ao ler os livros de outras pessoas. A crítica é uma forma de autobiografia: o escritor escreve sua vida quando acredita estar escrevendo suas leituras. Essa frase memorável é de Ricardo Piglia, que levou o ensaio literário da nossa língua a lugares inéditos e em mais de um aspecto mudou a forma como lemos, o que é sem dúvida um dos grandes presentes que um autor pode dar aos seus leitores. A conversa com Piglia foi uma aventura e, no sentido mais nobre da palavra, um espetáculo. Desde o momento em que o conheci, em Setembro de 2000, até à sua morte prematura nos primeiros dias deste ano, quando escrevo, essa conversa foi um dos meus privilégios, tanto privada como publicamente. Durante o último dos nossos encontros, na Colômbia e um ano antes da sua morte, Piglia disse-me que um livro, para ele, era toda a memória da sua leitura, das circunstâncias da sua vida em que essa leitura ocorreu. Talvez não nos lembremos do conteúdo do livro, disse-me ele; mas se aquele livro foi ou é importante, você sempre se lembrará do lugar onde o leu e das coisas, boas ou não, que estavam acontecendo em sua vida naquele momento.
Juan Gabriel Vásquez
viaja com um mapa em branco
Berna, junho de 2017