*Patrick Modiano
Agora o caderno preto não me assusta mais. Isso me ajuda a voltar ao passado e essa expressão me faz sorrir. Era o título de um romance: Um homem se curva sobre seu passado , que encontrei na biblioteca da casa, algumas estantes de livros ao lado de uma das janelas da sala. O passado? Não, não, não se trata do passado, mas sim dos episódios de uma vida sonhada, intemporal, que arranco, página a página, do quotidiano monótono para lhe dar algumas sombras e algumas luzes. Esta tarde estamos no presente, está chovendo; As pessoas e as coisas estão afogadas no cinza e anseio pela noite, quando tudo se destacará com clareza justamente pelos contrastes de sombra e luz.
Outra noite, eu estava dirigindo por Paris e fui perturbado por todas aquelas luzes e sombras, aqueles modelos de postes de diferentes épocas que, ao longo de uma avenida inteira ou numa esquina, me davam a impressão de que me acenavam. Era a mesma sensação que você tem quando fica muito tempo olhando para uma janela iluminada: uma sensação de presença e ausência ao mesmo tempo. Atrás do vidro, a sala está vazia, mas alguém deixou a lâmpada acesa. Para mim nunca houve um presente ou um passado. Tudo está confuso, como naquele quarto vazio onde uma lâmpada brilha todas as noites.
Patrick Modiano
A Grama das Noites