*Renato de Medeiros Jota
Estava devendo essa análise sobre quadrinhos que trabalham o cotidiano nos quadrinhos, principalmente quando aborda o emocional dos personagens, centrando a trama e dramas de cada personagem. A mídia de quadrinhos predomina a ação, isso é a dinâmica e foco da maioria dos quadrinhos, representantes desse tipo são os super heróis. Tudo o que vem em decorrência disso é posto em segundo plano, como quadrinhos que abordam outros assuntos em que o centro da questão não é assunto. Pior ainda, quando prestam atenção sempre buscam relevar os aspectos maravilhosos da hq levando em consideração a opinião de outrem, de fora, seus prêmios e relevância, esquecendo de ver também a produção interna de obras relevantes com o mesmo tempo.
Agora, reflito sobre isso olhando a hq de Estranhos no Paraíso de Terry Moore e Avenida Dropsie de Will Eisner sem perceber as grandes obras, produzidas aqui perto em nosso país e especificamente no nosso Estado do RN como hqs chamadas de Boca do Lixo de Wendell Cavalcante e Jamal Sigh, Depois de Tudo de Wagner Michael e outros autores, Fabula Moderna de Gabriel Andrade Jr e outras. Essas são hqs que tem em comum conflitos, dramas e romances capazes de prender o leitor e até desenvolver obras em nível comparável as de fora. Mas o que é melhor, com o jeito, cultura, folclore, música, linguagem e maneiras brasileiras, que na minha opinião, deveria atrair os leitores mais ainda. Não vou recair na velha e sabida ladainha que o brasileiro não lê o produto brasileiro pelo simples hábito de valorizar o que vem de fora do que o produto interno.
As obras de quadrinhos produzidas em Natal citadas acima, tem como premissa retratar dramas pessoais dos autores e expó-las nas páginas dos quadrinhos como no caso de Wagner Michael que roteiriza hqs abordando temas que presenciou e conviveu com elas. Outro que trabalha uma hq fantástica como boca do Lixo feita por Wendell Cavalcante e Jamal Sigh que falam sobre os primórdios da boca do lixo localizada em São Paulo. Em ambas as obras buscam retratar a vida comum, com humor e humanismo. Buscando retratar o ambiente com seus prédios, lugares e ruas, estas obras evocam o sentimentalismo e emoções evocados por esses temas.
A produção do roteiro dessas hqs é um passeio pela cidade e por temas envolvendo rock, namorados, vizinhos, cinema, pais, e os demais conflitos apresentados nas páginas impressas dos quadrinhos. Acompanhar esses personagens é se reconhecer em alguns deles, passando a refletir sobre sua moral, conflitos e emoções. Temas abordando a adolescência mostra que o quadrinho pode ser uma ótima ponte entre o novo e o velho, mostrando suas contradições e convergências em meio a tantos assuntos. Em outras páginas os autores buscam falar de sexo, esperanças e envelhecimento, pensamentos que mostram a dificuldade do que é amadurecer.
Essa hqs que abordam temas diferenciados do mercado editorial representado pelo gênero dos super heróis, são publicadas a margem desse mercado. Na maior parte a hegemonia da grande editora Panini que domina o mercado praticamente encobre as hqs alternativas que buscam caminhos paralelos como a internet e divulgação mutas vezes feitas através de seus autores. As publicações de hqs chamadas alternativas abordam muitos dos temas com viés nacional. Muitos dos autores de quadrinhos brasileiros tem como meta focar numa abordagem nacional do tema de suas publicações e em particular tomando como base situações bem conhecidas de nossa sociedade
Isso leva autores como Jamal Sigh e Wendell Cavalcante começar sua hq boca do lixo no RN e deslocar o foco narrativo de sua história para São Paulo e mais especificamente para o local tema do quadrinho a rua conhecida como “beco do lixo”. Desse modo, a história se desenrola através dos personagens que trafegam por ruas e situações que vão perpassando o tempo em uma jornada cada vez mais pessoal. A arte de Wendell é maravilhosa e nota-se que esta a vontade para explorar graficamente os personagens. Já Jamal consegue com um roteiro competente e magnifico atrair o leitor e convidar a experimentar um momento histórico só conhecido nos livros de história. Como ressaltei, boca do lixo não acontece especificamente no RN, mas faz nitidamente um link da cultura nordestina com a paulistana indo além das cercanias regionais. Temos aqui, um legítimo encontro interestadual de culturas que pontua uma há em todos os seus nuances. Ela também traz a reflexão sobre a história do RN por meio das memórias e experiências dos personagens.
Outra hq que podemos localizar geograficamente no RN é Depois de Tudo de Wagner Michel. A publicação tem três histórias abordando adolescentes e suas experiências com namoros e conflitos familiares. Encontra-se em suas páginas relatos diversos e comoventes sobre o que significa a passagem da adolescência a vida adulta, provavelmente relatos envolvendo a própria experiência do autor. Em sua maioria podemos reconhecer os personagens mas não os lugares, já que seria interessante identificar os personagens com o espaço por onde transitam. As ilustrações são competentes e expressam muito bem a história, mas poderia se aprofundar mais nos conflitos dos personagens, talvez pelo orçamento limitado da hq tenha-se escolhido fazer uma publicação enxuta. Seja como for é uma publicação que mostra a grande capacidade dos autores alternativos de produzir hqs com temas que atrai atenção e capaz de comunicar-se com o leitor de forma competente. Deixo aqui um salve a todos os autores de quadrinhos alternativos na esperança de ler muito mais obras deles.
