*Alexsandro Alves
Há uma relação dialética entre os livros que lemos e a nossa personalidade ou um destino nos liga aos livros que admiramos? Evidente que uma pergunta fascinante como essa não tem resposta fácil, se é que tem resposta. Assim como em Kafka, em muitas partes de nossa existência, apenas a sentimos e não a compreendemos. Essa pergunta lida com socialização. Clifford Geertz, antropólogo estadunidense, observa que a cultura é uma teia tecida pelo próprio homem. Assim como uma aranha está indissoluvelmente presa a teia que tece, o humano também está preso a sua cultura.
Por vezes, e sem explicação, somos apresentados a livros que só pela capa nos atraem, é como um chamamento. Uma ordem. Onde fica nossa vontade, então, quando isso ocorre? Quanta vezes, ao entrar em uma livraria por dias seguidos, meu olhar não foi diretamente para determinado livro, e insistentemente ignorei esse apelo inexplicável? E por fim, quando cedi e adquiri o livro, o li de um só fôlego, como se ali estivesse um igual, falando-me das coisas que precisava ouvir da maneira como meu eu mais íntimo me impunha! Como se uma sede desconhecida me levasse a um pote também desconhecido.
Foi dessa maneira que conheci Nikolai Gogol. Nunca havia lido nada de literatura russa. Mas, quando entrava na biblioteca de Riachuelo, lá estava um volume de “Almas Mortas”, sua obra-prima: mordaz, satírica e impiedosa. O livro era de bolso, porém, em uma edição de luxo maravilhosa: capa vermelha, com nomes do autor e título em dourado, marcador de páginas em cetim preso à lombada e uma rica introdução sobre a obra e seu autor. O livro é pesado, como boa parte da literatura russa, esses autores dos quais Nietzsche comenta: “têm o poder de fazer o leitor pensar que são psicólogos escrevendo”. Nunca mais fui o mesmo. A literatura russa é devastadora! São escritores, e psicólogos, por natureza.
Buscando na memória as sensações dessa descoberta literária avassaladora, é que me vêm esses questionamentos iniciais do artigo. O que me atraiu àquele livro? Sem dúvida ele moldou muito de minhas percepções sobre o fazer da literatura: sua razão, seu propósito, sua finalidade. E sobretudo, a seriedade com a escrita. E refazendo a questão inicial, mais ampla, para um contexto mais particular: esta seriedade foi dada em uma troca com a leitura já especificada ou já existia?