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O feminino no homem wagneriano

Colaborador de Navegos prossegue em seu mergulho no universo do grande musico alemão e conecta sua obra com questões da atualidade.

*Francisco Alexsandro

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Agosto é o mês wagneriano por conta de seu festival em Bayreuth. Assim, estou escrevendo artigos que enfocam aspectos desse festival secular. Nos próximos três artigos sobre Wagner e seu festival, falarei sobre questões de gênero e Bayreuth, um tema recente na bibliografia wagneriana. A fascinação de Wagner com o feminino é uma constante em suas óperas. Na terceira fase de sua produção artística, todos os personagens masculinos principais assumem determinados comportamentos que, para a sensibilidade oitocentista, eram identificados com as mulheres: Tristão, Siegfried e Parsifal, têm desejos que beiram a redesignação sexual. Tristão deseja tornar-se Isolda, Siegfried veste as roupas de Brünnhilde, uma valquíria e Parsifal é tanto masculino quanto feminino igualmente. O último ensaio de Wagner, “Sobre o Feminino no Homem”, estuda a necessidade de o homem encontrar, para sua completa felicidade, a mulher dentro de si mesmo.

Na vida privada, o Mestre vestia-se de mulher. Em uma carta, de janeiro de 1874, Wagner detalha seu pedido para uma alfaiataria milanesa: “O corpete terá gola alta, com jabô de renda e fitas; mangas justas; o vestido enfeitado com babados bufantes – do mesmo material de cetim – sem basco na frente (o vestido deve ser bem largo e ter cauda), também uma rica anágua com laço nas costas…”. Hans von Wolzogen, seu discípulo, sempre lembrava da satisfação que o Mestre sentia quando, em casa, livrava-se das roupas masculinas e vestia-se com vestidos de seda.

Essa fixação fetichista por roupas femininas foi tanto motivo de preocupações quanto, em certos momentos, foi também a salvação de Wagner. Um dos motivos pelos quais ele se indispôs com a população de Munique, foram os boatos, por parte dos ministros do Rei Ludwig II, seu protetor, de que em casa “subia e descia, com languidez, a escadaria, vestido com trajes femininos de seda”. No entanto, quando por várias vezes seus credores o atormentavam, conseguia escapar vestindo-se de mulher e usando um longo chapéu feminino decorado à moda do século XVIII.

Toda essa liberalidade no vestir, mesmo que apenas na vida privada, tornou Wagner uma referência para artistas homoafetivos. Vários dos ajudantes e assistentes de Wagner eram homens que sentiam-se atraídos pelo mesmo sexo. Conforme registram em seus diários, a atmosfera em torno de Wagner, no que se refere a esse assunto, sempre foi de aceitação, e mesmo de profundo interesse por parte do compositor. No entanto, Wagner não era homoafetivo. Em termos de orientação sexual, sempre comportou-se como heterossexual. Já a sua identidade de gênero, sim, era bastante volátil, transitando do cisgênero, na vida pública, para o transgênero, na vida privada, quando se travestia. E aos poucos, o Festival Wagner, em Bayreuth, torna-se um lugar de encontros de artistas homoafetivos.