*Adam Zagajewski
Já estamos vivendo depois do fim do mundo? Um historiador dirá que incontáveis fins do mundo precederam nosso tempo. A terrível Babilônia caiu. Os romanos olhavam com medo para os bárbaros e cristãos. Bizâncio caiu. Cartago caiu. Para as pessoas que viviam naquelas civilizações como abelhas numa colmeia, aquelas eram catástrofes de dimensões incalculáveis, verdadeiros fins do mundo. Eles não podiam saber que cem, duzentos ou quinhentos anos depois as feridas cicatrizariam e algo da velha Roma sobreviveria na Europa cristã.
Não é preciso ir tão longe: a Primeira Guerra Mundial não foi o fim do mundo tanto para os meninos que caíram em Verdun quanto para a maioria dos habitantes da Europa? A velha ordem estava acabando e um amanhã incerto e caótico começava. A alegria reinou apenas em países como a Polônia e a Tchecoslováquia, aos quais o fim do mundo trouxe a independência.
E depois a Segunda Guerra Mundial, o extermínio dos judeus, duas insurreições em Varsóvia, sepulturas nos quintais. E de novo a vida, as margaridas, as roupas penduradas nas cordas brancas e, nos sebos, os livros de ontem que de repente envelheceram mil anos.
O drama dos fins do mundo tem graus. Tomemos como exemplo os escritores e intelectuais judeus alemães: eles esqueceram suas origens judaicas, são grandes professores da língua alemã e, de repente, descobrem que foram condenados à morte, enquanto o porteiro de sua casa, que fala um idioma obscuro, dialeto e vulgar recebe uma imortalidade provisória por ser mais alemão, um verdadeiro alemão.
Outros confins do mundo: Mandelstam, que morre exausto no campo de concentração. Baczynski, que cai em combate durante a insurreição. Oficiais poloneses foram transferidos de Kozielsk para uma floresta de primavera nos arredores de Katyn – o sol de abril está brilhando e as primeiras folhas estão brotando dos arbustos.
Como viver depois de tantos confins do mundo? Adorno considerava que a poesia era impossível depois de Auschwitz…