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O fracasso da razão*

O autor deste artigo é o Dr. Donald DeMarco, Professor Emérito de Filosofia na St. Jerome’s University ,em Waterloo, Ontario. Autor de Os arquitetos da morte, ainda não traduzido no Brasil, através dele nos permite entender os «porquês» do mundo atual em suas diversas dimensiones.

*Donald DeMarco

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O homem é um animal racional. A capacidade de raciocinar está enraizada em sua natureza. Quando não vive à luz da razão, ele não consegue ser verdadeiramente humano. S. Tomás de Aquino compreendeu as implicações sociais da razão e via nela um meio pelo qual todas as pessoas podem se comunicar umas com as outras sobre uma base comum. Ele acreditava, portanto, que a razão pode unir as pessoas. A capacidade de raciocinar é uma propriedade universal, diferentemente de raça, religião, condição social e lugar de nascimento. Quando escreveu a Summa contra gentiles, Tomás de Aquino estava convencido de que poderia estabelecer pontos em comum com os muçulmanos ao “recorrer à razão natural, com a qual todos são obrigados a concordar” (CG, II, 4).

Talvez poderíamos dizer que S. Tomás estava excessivamente convencido, pois é possível que as pessoas se recusem a dar seu assentimento à razão. O fato de possuirmos algo não significa que sempre o utilizemos, por mais que se trate de uma propriedade que define a nossa natureza. Se as pessoas, no entanto, forem honestas consigo mesmas, terão de prestar assentimento à razão, pois não poderão viver (em nenhum sentido prático) sem a orientação proporcionada por ela.

Jacques Maritain escreve o seguinte no livro The Range of Reason [“O Alcance da Razão”, sem tradução para o português]: “Nada é mais importante do que os eventos que ocorrem no interior daquele universo invisível que é a mente humana”. Quando o homem vive segundo a razão, vive de acordo com a sua natureza. Quando rejeita a razão, desvia-se de sua natureza e encontra-se num estado de profunda confusão. Logo, a única escolha sensata é viver segundo a luz da razão.

A história humana está cheia de exemplos de personagens influentes que rejeitaram a razão e a substituíram pela vontade. A denúncia que Lutero fez da razão foi radical, e muitas vezes numa linguagem irrepetível. Ele a descreve como “o mais terrível inimigo de Deus”. Embora entendamos que a razão é uma bússola necessária para podermos “nos alimentar, hidratar e vestir”, no plano espiritual ela é “uma prostituta, a meretriz escolhida pelo demônio […] e deveria ser pisoteada e destruída”. Disse ele: “Aquele que se relaciona com uma prostituta está mais próximo de Deus do que o homem que desposa uma mulher”. Ele foi implacável com os judeus: “Queimem suas sinagogas e escolas. Ateem-lhes fogo, em seus lares, livros de oração e rabis”. Em seu livro Martin Luther: Hitler’s Spiritual Ancestor [“Martinho Lutero: O Antecessor Espiritual de Hitler”], Peter Wiener chamou a atenção para o antissemitismo e a irracionalidade que Lutero e Hitler tinham em comum. A declaração de Hitler: “Eu penso com meu sangue” é um eco da descrição que Lutero fez da razão como a “meretriz do demônio”. Um certo bispo chamado Temple diz o seguinte: “É fácil ver em que medida Lutero preparou o caminho para Hitler”.

A rejeição da razão vem à tona entre indivíduos de menor influência. Numa notável afirmação confessional, o novelista D. H. Lawrence nos diz: “Minha grande religião é uma crença no sangue, pois a carne é mais sábia do que o intelecto. Nossa mente pode nos levar ao erro, mas é sempre verdadeiro o que nosso sangue sente e aquilo em que acredita”.

A rejeição da razão está generalizada no mundo contemporâneo. Os exemplos são ilimitados. No Canadá, o governo Harper cortou o financiamento federal de um grupo feminista chamado Liga das Mulheres de Québec (FFQ no original). O governo Trudeau voltou a financiar a instituição. O presidente da FFQ, Gabrielle Bouchard, que se identifica como “mulher-trans” (embora seja homem de nascença) propôs que o Estado deveria obrigar todos os homens a fazerem vasectomia aos dezoito anos de idade. Quando Bouchard falou em banir os relacionamentos heterossexuais, o governo provincial ameaçou rescindir a verba anual de $120 mil. Ciente da possibilidade de ser multado, Bouchard pediu desculpas. Mesmo assim, podemos ter boas razões para nos perguntar por que o governo canadense financia organizações irracionais como essa.

Quando não vive à luz da razão, o homem não consegue ser verdadeiramente humano.

No caso AB vs. CD, o tribunal da Colúmbia Britânica (n.d.t.: província no sudoeste do Canadá) decidiu que uma jovem menor de idade que queria transformar-se em homem poderia continuar tomando bloqueadores hormonais, apesar das objeções de seu pai. O Denver Post demitiu o colunista Jon Caldara depois que ele escreveu uma coluna em que afirmou que o sexo é binário (masculino e feminino). Ele ousou desafiar a versão mais recente do guia estilístico da Associated Press, segundo o qual o “gênero não é mais binário”. O editor-chefe do jornal, Megan Schrader, anunciou que está à procura de um novo colunista, já que os seus editores “valorizam a existência de uma grande variedade de vozes em nossas páginas” (mas não tantas a ponto de incluir “Deus os fez homem e mulher”, aparentemente).

La’Tasha D. Mayes, fundadora e diretora executiva da organização New Voices for Reproductive Justice (“justiça” que inclui o aborto) argumenta que a “liberdade de não ser alvo de violência é justiça reprodutiva”. Em estilo orwelliano, dar conselho é uma forma de violência; mas matar o nascituro é um ato de justiça! Contradições são bem-vindas num mundo em que se rejeita a razão. Além disso, a vandalização e o bombardeio de igrejas e esculturas ocorridos recentemente também estão sob o amparo da justiça. A Igreja Católica é acusada de “supremacia branca” com base no argumento indefensável de que Jesus e Maria eram “brancos”.

Em seu livro The Revolt against Reason [“A Revolta contra a Razão”], o apologista católico Sir Arnold Lunn apresenta este argumento: “O logoclasmo, que ataca a razão, é semelhante ao iconoclasmo, que atacava a arte religiosa, pois razão e beleza são aspectos do sagrado”. O fato de o homem ter sido feito à imagem e semelhança de Deus significa que ele tem em comum com Deus a racionalidade. Quando se rejeita a razão, rejeita-se Deus junto com ela. Mas o mundo ateu ao nosso redor — a despeito de seus lugares-comuns sobre diversidade, tolerância, inclusividade etc. — está totalmente comprometido com seu objetivo de rejeitar a Deus e despojar as criaturas racionais do precioso dom que Ele lhes concedeu.

[Tradução: Equipe Christo Nihil Praeponere]