*Luís da Câmara Cascudo
No alto da torre, em seu poleiro de azulejos, roda e vento doce do galo de bronze secular. Pertence a fisionomia do bairro e possui sua história, relembrada por velhos moradores da Rua Santo Antônio, ainda em recordação nas palestras sereneiras, noite de lua cheia.
Lourival Açucena dedicou-lhe versos. Creio que são os únicos. Datam de mais de sessenta anos. Vamos ressuscitar os versos, que deliciavam nossos natalenses de outrora:
Caetano a Silva Sanches,
Governador, português,
Foi quem aqui colocou-me,
Há mais de um século talvez.
Cocorocó! Vou cantando
A minha bela toada,
Louvando com outros galos
A serena madrugada!…
Por todos os quatro ventos
Me vereis sempre emproado…
Não tenho “gogo” e meu canto
Solto bem atenorado!
Cá, do alto lobrigando,
Traquinadas do demônio,
Vos mandarei telegrama
Da torre de Santo Antônio!…
Esses versinhos devem ser anteriores a 4 de agosto de 1878, dia em se inaugurou em Natal o “telégrafo elétrico”.
E esse Caetano da Silva Sanches? O “governador português” era natural de Cascais em Portugal, filho do Capitão Francisco da Silva Sanches e de D. Maria Joaquina Sanches. Fez vida militar e era sargento-mor, reformado do Regimento de Recife ao ser nomeado Governador da Capitania do Rio Grande do Norte em 12 de agosto de 1791. Efetivado no posto a 27 de março de 1797, ratificando a posse a 7 de fevereiro de 1798, tornou-se muito estimado em Natal.
Casara em Recife com D. Maria Francisca do Rosário Lages, filha do sargento-mor Francisco Gonçalves Lages. Teve dois filhos: Pedro, morto ainda em criança e Micaela Joaquina Sanches, que se casou com o capitão-mor Manoel Teixeira de Moura.
Quando Caetano da Silva Sanches chegou a Natal, já a Igreja de Santo Antônio existia. Em julho de 1763 menciona-se, em documentos, a rua da Igreja de Santo Antônio. Na fachada principal, por cima da porta, há, muito apagada, a data de agosto de 1766.
O capitão-mor era devoto de Santo Antônio, santo nacional português. Ajudou por todas as formas, a construção da torre. Esta ficou terminada em janeiro de 1798.
Em 27 de agosto de 1799 Caetano da Silva Sanches fez testamento. Era um homem robusto e ainda moço. Dele partira a ideia de mandar buscar um galo de bronze e presentear a igreja, colocando no cimo da torre, nova e bonita. É costume europeu e rara é a igreja portuguesa, especialmente do interior, que não tenha o galo, símbolo de vigilância e de fé, arauto da claridade, Gallo canent spes redit…
Havia uma lenda de que o capitão-mor falecera no dia da primeira missa na Igreja de Santo Antônio. Não é possível crer-se. A igreja estava entregue ao culto sagrado, vinte e oito anos antes de Caetano da Silva Sanches chegar a Natal…
Em 14 de março de 1800 o capitão-mor faleceu de ataque apoplético, estupor, como se dizia.
Sepultou-se na Matriz, vestindo o hábito do santo que era o orago da igreja onde doara o galo de bronze.
Em 1864, nasceram uns arbustos na cúpula da torre. O galo ficou cercado de vegetação. Parecia viver e abrir o bico para o apelo metálico aos seus distantes companheiros de capoeira.
O tempo foi rolando sem maiores sucessos. Na noite de 6 de março de 1897, às oito e trinta minutos, uma faísca como trovão atordoador, caio sobre a torre de Santo Antônio. O galo, ferido pelo choque, ficou dependurado, até a madrugada de 21 de junho, quando despencou e bateu na calçada do templo.
Depois, desapareceu, esquecido, nos desvãos escuros e escudos da igreja. Em janeiro de 1917, um “constante leitor” da A República lembrou-lhe o exílio e sugeriu descobrimento. Monsenhor Alfredo Pegado, então Governador-geral do Bispado, explicou ter encontrado o galo, danificado e feio, e o mandado consertar.
E aos quatro ventos do Setentrião do Brasil, voltou o galo de bronze, cinco anos depois, desta vez imóvel e grave, assistindo, do alto da torre, a ronda melancólica dos anos…
A República, 15 de outubro de 1939.