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O gênio e o rasteiro

Colaborador de Navegos traça um paralelo entre os escritores Edgar Allan Poe e Lovecraft, expoentes do gênero de horrífico, estabelecendo parâmetros que separam, na Literatura, o trigo do joio, o mestre e o discípulo.

*Francisco Alexsandro Soares Alves

O escritor americano Edgar Allan Poe (1809-1849) é talvez o maior nome da literatura de horror de todos os tempos. Dono de uma imaginação mórbida, frequentemente associada às perturbações psíquicas, o gênio maldito de Poe foi celebrado por Baudelaire e outros malditos franceses de mesma estirpe. Famoso sobretudo por seus contos e por seu poema O Corvo (que conta com traduções em português de Machado e Pessoa), a literatura de Poe é permeada por personagens melancólicos, que sempre sofrem de perturbações da psiquê e perambulam pelas trevas como párias da vida cotidiana.

São homens e mulheres repletos de uma poesia acinzentada, com o qual por vezes, imersos na fantasmagoria dos vapores de uma metrópole, nos identificamos, seja por compaixão ou por autocompaixão, quando entendemos que a loucura do homem em Poe é a causadora última do mal e que essa loucura ainda termina por conferir em alguns personagens uma inocência quase infantil, como uma segunda inocência, como nos melancólicos irmãos Usher, é que notamos o brilho da inventividade de Poe – a maldade humana não é fruto de seres além do homem, é fruto do próprio do homem e de sua loucura. E essa loucura também não é um sintoma da existência de mal sobrenatural exterior. É reflexo das vivências do ser. O corvo, no poema homônimo, é a voz interior cheia de remorsos e culpas do narrador. Encontramos algo similar na poesia de Augusto dos Anjos, como por exemplo, no soneto O Morcego.

Howard Philps Lovecraft, (1890-1937), é um escritor americano do gênero terror, famoso por ter criado o personagem Cthullu, um monstro gigantesco que com sua aparição, causa transtornos mentais e sociais nos indivíduos. Para os fãs do escritor, o mesmo é um revolucionário do gênero. Porém Lovecraft não sabe escrever. Sua escrita é ruim e seus personagens são comuns, poderiam ser enquadrados como protestantes alucinados que vêm Satanás desenhado nas paredes de toda a cidade. Lovecraft insiste, em seu texto, em adjetivos do tipo “sinistro”, “caótico”, “insano”, “secreto”, e termos que aparentemente devem causar tais sentimentos. Mas não causa.

A palavra “sinistro” presente em um texto não torna o mesmo sinistro. Seria o mesmo que dizer que S/I/N/IS/T/R/O, causa medo. Não causa. A palavra em si não é perturbadora. O ambiente criado deve instaurar medo. E Lovecraft não consegue criar esse ambiente, essa atmosfera de horror. E ele insiste, e muito, nesses adjetivos. Quase como que quisesse nos convencer que o que ele fala é medonho! Observem Poe. No poema O Corvo não há muitas menções a tais termos, mas a atmosfera nos convence que há algo sinistro acontecendo. Quando o corvo surge, ele é mais assustador do que Cthulhu!

A loucura e a insanidade, tão reivindicadas pelos personagens de Lovecraft, não tem sequer a centelha das mesmas conforme presenciamos em Poe. A queda da casa de Usher. O gato preto. O retrato oval. Por que esses contos ainda causam medo? Por que esses contos nos fazem sentir a realidade do mal? Porque são calcados no homem e em sua vida. Lovecraft credita suas insanidades a criaturas exteriores. É primitivo. Transferir a existência do mal e da loucura para entidades fantasmagóricas que vivem em cidades imaginárias, é coisa de humanos pré-escrita. O mal existe, porque o homem existe e não porque Cthulhu está adormecido e será invocado. O que é um corvo? Apenas uma ave. Causa medo? C/O/R/V/O. Não. Mas quando lemos The Raven nunca mais veremos aquela simples ave da mesma maneira. Eu lembro quando li esse poema pela primeira vez. Não dormi pensando na fineza do mal e da loucura.

O que é Cthulhu? Uma criatura sinistra que surge do mar pavoroso e caótico e provoca insanidade através da telepatia. Causa medo? Não. Nem vampiro hoje causa medo. Descrições como Cthulhu causariam medo em fins do século XVIII, no auge do romantismo fantástico de Hoffmann e similares. Porém o zeitgeist contemporâneo perdeu o medo até de vampiros e de lobisomens.

Apenas crianças teriam de medo de Cthulhu. E podem ter. Estão na idade de se apavorarem com descrições que são sinistras, porque a palavra “sinistra” está lá, porque a palavra “insana” está lá. Pavoroso mesmo é a insistência de Lovecraft em escrever centenas de páginas que, muitas vezes, são descrições de ambientes que simulam sempre civilizações antigas. E chaga a ser cômico quando quase sempre o narrador afirma que “o que irei narrar é inarrável”, para nas páginas seguintes nos “brindar” com um texto repetitivo e enfadonho que consome dezenas de parágrafos. Vulgar e sem estilo.

Vejam O Pesadelo, de Fuseli (1741-1825). Isso é perturbador. E sabem o que é mais perturbador nesse quadro? O cavalo. Algo tão corriqueiro. Um cavalo! E é mais aterrador do que todas as vezes que Lovecraft insiste que Cthulhu é “sinistro’, é “pavoroso’ e é “insano”! Essa forma de terror de Lovecraft, cheia de adjetivos e sem impacto, estranhamente influenciou muitos bons escritores nas histórias em quadrinhos, como Alan Moore, Grant Morrison e Neil Gaiman. Nesse caso os alunos superaram seu mestre.