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O Graal retorna à Terra

Uma melodia que cresce aos poucos e toma nossos olhos, enchendo-os de um brilho dourado que resplandece a partir dos violinos e pouco a pouco invade as outras seções da orquestra como um feitiço irresistível. Em homenagem aos arcanjos São Miguel, São Rafael e São Gabriel, em seu dia de celebração, 29 de setembro, padroeiros do barão de Charlus, personagem de Proust.

*Alexsandro Alves

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O cálice na qual Cristo e seus apóstolos beberam na última ceia, permaneceu com o senador e membro do Sinédrio José de Arimateia. Como relíquia, o cálice continha em seu interior o sangue de Cristo.

Na Idade Média, essa relíquia retorna ligada ao ciclo de cavalaria do rei Arthur, personagem lendário do século V, embora que na lenda celta já existisse um recipiente mágico, este foi cristianizado.

No ciclo arturiano, o Graal se liga aos personagens Percival, Lohengrin e Galaad e é este objeto que confere nova vida à Távola Redonda na chamada Demanda do Santo Graal.

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Em 28 de abril de 1848, Wagner termina sua obra Lohengrin, um meio-termo entre a ópera e o drama musical. Como obra de transição, é a última ópera de sua segunda fase.

O prelúdio dessa ópera é singular, trata-se de um único tema desenvolvido vagarosamente e aos pedaços, pouco a pouco, cada instrumento sendo introduzido reforçando a melodia inicial até seu clímax.

Há um acúmulo de brilho e de força de forma muito imaginativa: é uma procissão de anjos em Lá maior, a tonalidade mais celestial da música.

Essa procissão angélica desce das nuvens e se corporifica entre nós aos poucos. Para conseguir essa movimentação lenta e transfiguradora, Wagner divide os violinos em 8 seções, cada seção acompanhando a seguinte, passo a passo.

A câmera está em modo lento e se aproxima sem a mínima pressa. Inicia com as cordas agudas, os violinos, delicadíssimos, pianissimos, alguns em tremolo, que acrescentam à música um caráter etéreo e muito vago.

O primeiro fragmento que ouvimos é o brilho inesperado vindo do alto, a imagem capturada pelos nossos ouvidos é desenhada por acordes dos violinos, flautas e oboés, alguns segundo depois, apenas os violinos fixam nossos olhos num cortejo que descende dos céus, caminhando estaticamente, flutuando à semelhança dos movimentos dos querubins avistados rio Quebar.

Aos poucos, cintilam luzes douradas, enquanto nossa vontade vai cedendo, deslumbrada pela benção que se aproxima, e esse maravilhamento nos enche de reverência e serenidade.

Essa melodia é o Graal. Místico e cheio de fantasias divinas sussurradas em nossa alma, quando as cordas graves emergem, já não há mais o que falar, qualquer entendimento é pelos tremores do espírito e nunca, a partir daqui, pelas palavras.

É quando todos os instrumentos, crescendo, arrebatam nossa alma e nos joga num vórtice de sons agudos transpassados pelos pratos no píncaro cerúleo da Glória.

Somos jogados e, ao levantarmos a cabeça, abrindo então os olhos, novamente apenas os violinos, e diante de nossas mãos aos céus, a procissão se vai, retornando ao Paraíso.

A orquestra retorna ao mesmo ponto do início, mas desta vez a sensação é de despedida e não chegada. É uma lembrança. A transfiguração termina.

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Em seu romance O selvagem da ópera – ou seria em Agosto, não lembro com exatidão agora – Rubem Fonseca descreve o perigo que esse prelúdio encerra, exatamente por suas sonoridades agudas que parecem hipnotizar o ouvinte.

Lohengrin pode ser interpretada como o drama do artista ante a sociedade moderna. Exatamente como a Benção de Baudelaire nas Flores do Mal.

Essa interpretação perpassa todas as três óperas wagnerianas de sua segunda fase (O navio fantasma, Tannhäuser e Lohengrin), como um subtexto. Nelas, um estrangeiro chega em algum lugar em que é recebido com desconfiança até que sua convivência se mostra infrutífera e ele precisa deixar esse lugar.