*Franklin Jorge
Somente algum padecente de vaidade mórbida e congênita se aplicaria com o afã de alguns medíocres a reunir e acumular lauréis e títulos honoríficos que, por sua espessura, não serviriam nem para substituir o papel higiênico. Geralmente uma gente sem obras da própria lavra, embora nadando em banheiras de ouro atufalhadas de ouropéis em volta das quais perfilam-se os amigos e camaradas complacentes.
Disse Baudelaire, com a autoridade de que lhe confere o talento, que o artista não depende de recursos pecuniários nem da vontade – geralmente alheia ao mérito -, que muitos amigos é o caminho mais fácil para obter-se honrarias falsas por aquelas pessoas bafejadas por alguma sensibilidade desprovidas de talento, que é a única expressão válida do mérito que há de estar presente em tudo o que valha alguma coisa de perdurável e que, de alguma forma, nos assegure a imortalidade – só possível através da criação de uma obra. Uma obra própria, ele queria dizer, não produzida por escribas de aluguel.
No caso de nossa academia de Letras, seja-nos suficiente vermos o seu presidente em delírio falastrão a quem chamam, uns, de O Lagarto – talvez por sua aparência reptiliana e inumana – , e outros, de Pavão de Galinheiro, naturalmente por sua morbosidade vaidosa digna de acurado e extenso estudo de especialista capaz de revolver as entranhas dessa renitente patologia que parece acusar-lhe a inexistência de uma alma imortal.
Certa vez, condoído com sua enfermidade crônica, ocorreu-me sugerir-lhe que trilhasse o caminho certo, pensando mais nos outros do que em si mesmo. Algo, no caso do famoso Baobá do Poeta, que ele adquiriu em um raro rasgo de altruísmo e generosidade, ao assegurar sua existência. Que usasse seu dinheiro para uma coisa útil, que me foi inspirada quando visite, para espairecer de um tedioso velório que acontecia do outro lado da rua, quase em frente ao controverso espécime vegetal pertencente à família das malváceas que se ergue solitariamente em um terreno em parte transformado em estacionamento. Ao contempla-lo, ocorreu-me escrever-lhe, na intenção de convence-lo a usar de maneira fecunda sua doentia vaidade, transformando aquele espaço bem localizado em um “Jardim dos Poetas”.
Entusiasmado, mal me ouviu e em seguida sacou o talão de cheques do bolso, perguntando-me quando lhe custaria meus serviços. Acalmei-o, dizendo-lhe que precisa amadurecer a ideia e não fazia aquilo em troca de dinheiro, mas por amor à cidade e valorização da cultura local. Disse-lhe que voltaria na próxima terça-feira com alguma coisa para discutirmos com base em coisas concretas (era uma sexta). Ao retornar na semana seguinte, ele me disse que já havia solucionado o problema. Ia fazer um mirante, e me dispensou com sua cara de pau de sempre… Sua pressa denota inequivocamente sua falta de exigência de qualidade. é um homem que não pensa nos outros, só em si mesmo, se isto lhe rende algumas notas em jornais e blogues. Não tem o compromisso com a História nem com o futuro das gerações que virão. Imagino que nunca foi capaz de provocar orgasmo em uma mulher.O narcisismo não lhe permitiria.
Pessoalmente, quando tenho a oportunidade de vê-lo e ouvi-lo com sua voz de ventríloquo como que saído duma página de Michel de Ghelderode, sinto-lhe o odor de ferrugem que corrói essa engrenagem defeituosa como um ser mecânico – como um androide – desprovido de emoções e de alma.