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Jornalista baiano, Colaborador de Navegos, evoca em crônica uma conhecida personagem de sua terra natal, Ribeira do Pombal.

*Reynivaldo Brito

Vamos relembrar de um homem baixo, magro e que usava óculos na ponta do nariz, era um leitor atento e através da homeopatia ajudou muita gente a   enfrentar doenças e seguir em frente. Seu nome é Fernando Evangelista dos Santos ou simplesmente   Seu Fernando da homeopatia como era conhecido   por todos. Inicialmente, tinha uma loja de ferramentas, padaria farmácia e depois de cereais, uma   espécie de armazém. Também fazia seus   comprimidos homeopáticos e vendia ou mesmo   doava quando a pessoa não tinha condições de pagar. O nosso homenageado, Seu Fernando, sempre estava sentado no fundo da loja à espera de seus clientes. Por ser um leitor assíduo, tinha uma cultura geral acima de muitos pombalenses.  Ele era leitor diário de jornal A Tarde e foi o primeiro a ter um aparelho de rádio em Ribeira do Pombal. Dizem que na época da Segunda Guerra mundial as pessoas iam em determinado horário para a casa do Seu Fernando para ouvir o noticiário dos últimos acontecimentos no front.

Ele nasceu em 30 de maio de 1893 em Ribeira do Pombal e faleceu em 22 de dezembro de 1986, aos 93 anos de idade. Casado com Hormina Alves dos Santos, conhecida por Dona Priquitinha, tiveram seis filhos, sendo cinco mulheres e um homem, a saber: Evanice, Elizete Alves Nicodemos, Euni, Eliezer, Elita e Edil Alves Santos, a caçula, e a única que está viva com 84 anos de idade.  Sua filha Elizete casou e teve três filhos o Fernando Henrique Alves Nicodemos Neto, que tem este nome em homenagem ao avô, Ronaldo e André Luís.

Seu neto Fernando Henrique Alves Nicodemos, nasceu em 31 de dezembro de 1973, portanto tem 48 anos, quando fala do avô chega a ficar emocionado. Ele teve uma boa convivência com seu Fernando até os 13 anos de idade, inclusive assistiu à sua morte, porque era período de férias e tinha vindo com sua família quando o avô se sentiu mal e pediu que lhe levassem ao sanitário. Depois foi trazido de volta e ao sentar numa cadeira de balanço, de que tanto gostava, veio a falecer.

Falando do avô Fernando Neto lembra que “era uma pessoa que gostava muito de ler, um homem o que podemos chamar de culto, dentro das limitações de acesso à cultura daquela época. Participava da vida política local e era muito amigo do líder Ferreira Brito. Foi Juiz de Paz, realizou muitos casamentos e celebrou várias conciliações em pequenas disputas de terras e familiares.”

E continuou: “meu avô era um vanguardista. Ele teve o primeiro aparelho de rádio da Cidade, aparelho este que desapareceu juntamente com um belo relógio antigo de parede durante a transferência de minhas tias para Salvador.” Uma perda que Fernando Neto lamenta até hoje.

Disse ainda que seu avô tinha muitas amizades em Ribeira do Pombal e até mesmo em cidades vizinhas. ” Ele teve padaria, farmácia e por último, uma loja de cereais, e, finalmente, ficou somente exercendo a homeopatia. Lembro que comprava livros e até mesmo enciclopédias por correspondência. Na época era comum a compra de livros e outros objetos através cupons que eram veiculados em jornais e revistas.”

Sua casa ficava na Avenida Oliveira Brito, próxima do Bar O Quitandinha, hoje ocupada parte pela Farmácia Aragão e a Loja Sebastião, de materiais esportivos.  “Nesta casa ele mantinha um quarto que chamava quarto de hóspedes que estava sempre bem limpo, arrumado e fechado para receber os juízes e até mesmo desembargadores ou outras autoridades do Judiciário quando vinham a Ribeira do Pombal. Ele não permitia que filhas e netos ficassem entrando e saindo do quarto de hóspedes. Como era muito católico, mantinha um quadro com o Coração de Jesus, onde meu avô ficava diante da imagem fazendo diariamente suas orações.”

Outra lembrança de Fernando Neto é que seu avô tinha uma rotina interessante. Logo que acordava e tomava o seu café da manhã lia o jornal A Tarde, depois pegava o grosso volume do livro de Homeopatia e ia ler. Ao terminar sua leitura sempre dizia. “Agora já posso conversar. ”

“Minha tia Evanice Alves Santos trabalhava em Salvador, na Receita Federal, e ele sempre pedia a ela para comprar revistas, livros e discos que eram enviados e trazidos com certa regularidade para ele, que gostava de música e de estar sempre informado do que acontecia no mundo”, revelou.

Também relembrou que quando dr. Décio de Santana chegou a Ribeira do Pombal e começou a clinicar. Não gostou de saber que tinha uma pessoa que estaria prescrevendo remédios de homeopatia. Sendo naquela época um médico positivista, talvez não acreditasse no valor da homeopatia, hoje reconhecida mundialmente.  Houve de longe um pequeno conflito entre o jovem médico que acabara de chegar e Seu Fernando. O tempo passou e, dizem que, quando dr. Décio não conseguia curar alguém, como último recurso mandava que procurasse o Seu Fernando da homeopatia. Foi assim que algumas pessoas se deram bem com os produtos homeopáticos e este conflito foi se desfazendo aos poucos, até que ficaram próximos um do outro. Fernando Neto lembra de ter visto o médico dr. Décio de Santana conversando animadamente com seu avô.

Quando seu Fernando se aposentou em idade avançada, pediu a sua filha Euni Alves Santos que continuasse praticando a homeopatia. A partir daí ela ficou mais próxima do pai, aprendendo a manipular os produtos e a prescrever os medicamentos para as pessoas que os procuravam.  Depois do falecimento de seu Fernando a família mudou para uma nova casa na Rua Deputado Antônio Brito.

Seu sobrinho José Oswaldo de Santana, 89 anos, é casado com d. Maura Ferreira dos Reis, 86 anos. Eles tem um filho, o ex-bancário José Bonifácio Ferreira Santana, que   diz que viu muitas vezes seu Fernando doando os produtos que produzia ou mesmo tinha adquirido a pessoas carentes que não tinham condições de pagar.”Às vezes, como gratidão, essas pessoas traziam de suas roças uma galinha, um peru, uma dúzia de ovos e doavam a meu tio.” Sabemos que os medicamentos da homeopatia sempre são mais em conta que os da medicina alopática.

Segundo a Wikipédia, “a Homeopatia é uma forma de terapia alternativa pseudocientífica, iniciada pelo alemão Samuel Hahnemann em 1796. Baseia-se no princípio similia similibus curantur, ou seja, o suposto tratamento se dá a partir da diluição e dinamização da mesma substância que produz o sintoma num indivíduo saudável.”

Também, destacou a dedicação de toda a família para montar todos os anos o grande e belo Presépio que era visitado por muitos pombalenses e até mesmo pessoas de fora que estavam na Cidade.

Aqui em Salvador lembro que quando era Chefe de Reportagem do jornal A Tarde todos os anos, ao se aproximar dos festejos natalinos, mandava fazer reportagens sobre os presépios que eram armados por famílias nos bairros da Lapinha, Santo Antônio Além do Carmo, na Baixa de Quintas e também em algumas igrejas. Eram belos Presépios que encantavam crianças e adultos. Uma tradição que anda esquecida que os órgãos de cultura da Prefeitura e do Estado poderiam incentivar ao invés de despejar dinheiro para essas festas de pagodões de mal gosto. É uma tradição que poderia ser retomada inclusive pelas famílias em Ribeira do Pombal. Falou ainda José Bonifácio que seu tio “era uma pessoa distinta, nobre. Via ele sentado numa mesa no fundo da loja envolvido com seus medicamentos e de sua alegria ao receber seus clientes e ouvir atentamente o que sentiam ou mesmo algum parente para em seguida dar o produto certo para combater a doença relatada.”

Em depoimento de Rivaldo Oliveira Santana, conhecido por Vadinho de João Irênio, de 65 anos, disse que conheceu o seu Fernando quando tinha por volta de seis anos de idade. “Fui morar em São Paulo e quando retornei estava com uma gonorréia danada. Fui a seu Fernando, que preparou uma garrafada que me causou uma bruta de uma diarreia, mas fiquei curado.  Voltei lá e relatei que estava com uma forte diarreia, e sua filha Euni me deu outro remédio e melhorei por completo”. Conta este fato às gargalhadas.

Recorda João Edson Santana Souza, advogado, que seu Fernando morava defronte a sua casa na então Rua do Tucano, atual Avenida Oliveira Brito, e que seu pai, Elias Souza, mandava ele levar quase todos os dias um exemplar do jornal para ele. “Era um dos poucos pombalenses que lia o jornal diariamente. Quase sempre o encontrava de pijama na sua espreguiçadeira. Lembro também da casa que tinha um enorme e lindo relógio de madeira.  Seu Fernando tinha uma voz suave e andava de passos lentos. A casa onde eles moravam hoje está ocupada por dois estabelecimentos comerciais. Uma parte é a Loja Sebastião e outra parte pela Farmácia Aragão, que no início era só o imóvel da esquina, onde antes funcionou um depósito de madeira de Chiquinho, conhecido por Mão de Onça.”

Acrescentou Edson que ” naquela época a rua do Tucano, hoje uma avenida movimentada era totalmente residencial, e quando seu pai Elias Souza resolveu abrir uma loja para vender jornais, revistas, livros, canetas, relógios e até camisas e calças foi chamado de louco. Lembro que até os volantes de Loteria ele levava para Salvador, porque aqui não tinha Loteria”, finalizou Edson.

NR- Agradeço a todos que colaboraram com mais esta reportagem sobre personagens que ajudaram no desenvolvimento social, cultural e político de Ribeira do Pombal, especialmente a Hamilton Rodrigues.

ILUSTRAÇÃO: Reynivaldo Brito