*Renato Medeiros Jota
Hoje fui ao lançamento no seburubu do quadrinhista potiguar Leandro (Leander) Moura e Cristal Moura integrantes do coletivo Quadro9. Chegando em frente a catedral nova (que de nova não tem nada), descobri que havia descido muito distante do local do lançamento. Tinha de caminhar um bocado até o local sob um sol quente na cabeça. Após andar como um condenado levando sol no topo da sinagoga e chegar murcho no evento, Leandro já me esperava e aguardava sua marmita do almoço com aquela cara de fome.
Para passar o tempo enquanto o almoço dele chegava, conversamos brevemente sobre o local e mais precisamente sobre o assunto terror. Leander, eu, Mario Rasec, Cristal e outros admiradores do gênero adoramos filmes de terror, mas o assunto foi dirigido para o lançamento da noite e qual o motivo de uma hq exercer uma influência sobre o medo de uma pessoa mais que outra. Bem basicamente isso nos leva a discutir também quais tipos de histórias em quadrinhos são capazes de exercer essa força sobre a vontade alheia e causar medo no individuo.
Sua hq Insonho foi o lançamento apresentado para o público que adora tomar uns sustos e ler uma história sombria só para variar. Entretanto, a narrativa gráfica de insonho como toda a história de terror tem uma particularidade, leva o leitor a encarar aquela porta que separa a consciência de seu inconsciente, como uma passagem que nos leva ao caos. Mas qual hq que tem como objeto o terror não busca tocar como um violeiro determinadas cordas de nossas sensações extraindo dela aqueles sons mais dissonantes, desagradáveis e descompassados que irritam ou reviram o estomago que estão resguardados no inconsciente? O autor de Insonho buscou essa sintonia, tocar a corda dessa nota dissonante, procurou abrir a porta que dá acesso a esse eu oculto, ao horror não falado, evitado até.
Enquanto falávamos sobre filmes e outras coisas vinculadas ao medo, Leandro me mostrou as ilustrações preparatórias que a desenhista de Insonho Cristal (Cristiane) Moura fez como estudo para a publicação. Verifica-se o salto de qualidade que essa desenhista/ ilustradora deu nessa obra. Impressiona como Cristal apesar do nome remeter a algo frágil engana-se o incauto, é só aparência, porque quando se vê o traço medonho dela o cagaço já desce na canela. Rapaz o que é aquilo? Vemos a imagem da criança que parece nos remeter a ideia de solidão em sua casa, isso é ressaltado pela mãe que não lhe dá atenção e o abandona a sua própria sorte.
O traço preciso, limpo, e em algumas partes experimental, ressalta o sentimento sobre o isolamento da criança e distanciamento daquela mãe que deveria lhe dá atenção, mas a troca por um mundo à parte. Essa ideia de mundo aparte é outro ponto importante a ser discutido. Leandro e Cristal brincam com a ideia de sonho ou seria devaneio, dentro do sonho, ou seja, a criança sonha com um mundo em que ele e a mãe estão distantes e no final para não estragar a surpresa percebemos que a distância só se torna maior.
Apesar da história curta podemos extrair algumas considerações filosóficas muito bacanas dela, tais como, o acesso a informação que deveria nos unir nos distancia cada vez mais. Talvez o seu excesso seja a nova droga do momento já que quanto mais informação (seja qual for ela, boa ou má, profunda ou superficial, relevante ou irrelevante, verdadeira ou falta, o importante é sempre está ciente dela), transformou as pessoas em verdadeiros escravos. Além disso podemos refletir que a história é uma menção, mesmo que subtendida aos dias de hoje. Nos leva a ideia de que por mais que procuremos mudar nossos destinos através da tentativa de não cometer os mesmos erros sempre continuamos presos aos mesmos erros que tentamos evitar. Seria o eterno retorno tão comentado pelo filósofo alemão Nietzsche, não importa o quanto nos debatemos em não os cometer sempre será uma tentativa inútil que precisará sempre ser resetado e voltar ao começo.
Essa interpretação nos leva a fazer uma comparação entre duas vertentes da tragédia que Nietzsche analisou em seus escritos filosóficos, a respeito do aspecto existente entre o dionisíaco representando a luz, o caos, a mutabilidade, a desconstrução e o apolíneo, a luz, a ordem, o permanente, a construção na forma como expressamos pensamentos e a nossa cultura em geral. Elas são consideradas duas faces participantes da mesma moeda que no caso da hq Leandro Moura e Cristal Moura brincam com essa relação.
Muitas reflexões podemos tirar de uma leitura sem pressa de uma hq, indo além da pura diversão e entretenimento. Ler um quadrinho é uma experiência que pode comportar as duas formas e enriquece o leitor como resultado final. Nada nos impede de nos divertir ao mesmo tempo que refletir sobre o que foi lido. Nesse caso Insonho de Leander Moura e Cristal Moura cumpre os dois requisitos e creio que podemos esperar algo mais. Só senti que tinha mais folego para desenvolver a história um pouco mais, mas isso é mania de leitor frustrado que sou e penso que a decisão do autor é acertada, e parabenizo a ambos pela obra maravilhosa. Abração a todos e continuem as leituras.
Renato Medeiros Jota – Mestre em filosofia pela UFRN, começou a escrever e desenhar desde cedo, fanzines como Universo Paralelo e Cães Sarnentos. Faz parte do coletivo Quadro9.