*Alexsandro Alves
A Sinfonia n.º 3, em Mi Bemol Maior, op. 55, denominada, algumas vezes, “Sinfonia Bonaparte” ou, mais vezes, “Eroica”, estreou em 7 de abril de 1805, no Theater an der Wien, de Viena. Antes, a obra havia sido ouvida em execuções privadas, nas casas dos amigos de Beethoven, com igual aceitação e rejeição. Alguns diziam se tratar de uma obra-prima, outros, de mais uma fantasia amorfa do compositor. O nome completo da obra é: “Sinfonia Eroica, composta per festeggiare il sovvenire di un grand’uomo”: Sinfonia Heroica, composta para festejar a memória de um grande homem. Esse grande homem é Napoleão Bonaparte, que impressionava Beethoven com seus feitos militares. Porém, quando Bonaparte se proclama imperador, a dedicatória é rasgada.
Essa obra marca um novo divisor de águas na produção beethoveniana; durante sua primeira fase e início de sua segunda, ele buscou a expressão do heroísmo e do grandioso como modelos estéticos para suas composições mais arrojadas. Porém, nunca de fato, até aqui, havia gostado do resultado. Com a “Eroica”, Beethoven encontra seu caminho para a monumentalidade da expressão, em uma música que, cumulativamente, engendra uma torrente sonora nunca antes ouvida. Ele deve ter ficado orgulhoso. Mais do que em qualquer outra obra anterior, aqui Beethoven é Beethoven.
Nas sinfonias de Haydn e Mozart, inclusive naquelas “Sturm und Drang”, como a Sinfonia n.º 45, em Fá Sustenido Menor, de Haydn ou a Sinfonia n.º 25, em Sol Menor, K.183, de Mozart, o “espírito romântico” está dentro dos limites e padrões sociais aceitáveis. A melancolia sombria que advém do início da sinfonia de Haydn, por exemplo, com tríades de semínimas descendentes em “staccato”, acaba por se conformar em nosso espírito, não gera revolta ou tumulto, resigna. Com a “Eroica”, “o buraco é mais embaixo”. Beethoven deseja destruir tudo. Ele projeta a sombra dessa sinfonia para além do princípio do prazer do classicismo, com seus sons galantes e joviais, sua leveza e seu iluminismo – Beethoven alcança a expressão da tragédia na música. Ele coloca a morte, a destruição, a agressão como terrores que precisam serem vividos para serem expurgados. E é um processo de dor e de sangue. De armas e de pólvora. Porque a mudança não é apenas interior, é exterior, social. Nessa sinfonia Beethoven assume o ideário francês de igualdade, liberdade e fraternidade, com canhões apontados para a tradição.
E o mais impressionante: a orquestra que Beethoven usa é a mesma de Haydn e Mozart. Acrescenta apenas uma terceira trompa, é vero, mas são basicamente os mesmos instrumentos. No entanto, a sonoridade que o compositor retira deles é grandiloquente, bélica e monumental.
Com exceção dos amigos, ninguém gostou. O público no teatro aplaudiu pouco e logo se retirou. Beethoven nunca admitiria, mas isso o incomodou, conforme testemunham seus amigos. Para o público, a obra era longa demais, pesada demais, não encontravam um ponto em comum no desenvolvimento, a música seguia um caminho e, de repente, violentamente, mudava de direção. Aos poucos aplausos do teatro, Beethoven fez cara feia, não agradeceu aos que aplaudiram e saiu sem olhar para trás. E isso foi uma constante com essa sinfonia, em outras cidades, as reações do público eram exatamente as mesmas. Ela só seria aceita dois anos mais tarde.
O primeiro movimento, “Allegro com brio” (Rápido com brilho), inicia com pancadas violentas, seguidas por uma estranha suavidade nas cordas e uma melodia militar nas trompas e nas madeiras, esse material é logo substituído por ritmos quebrados e, após um frêmito crescente, toda a orquestra desmorona sua primeira avalanche sonora, repetindo aquele tema militar das madeiras. O segundo movimento, “Marcia funebre – Adagio assai” (Marcha fúnebre – Muitíssimo lento), é uma homenagem aos mortos na Revolução Francesa.
É a primeira grande marcha fúnebre nas sinfonias de Beethoven, as outras seriam a do segundo movimento da Sétima e a do final do primeiro movimento da Nona. O terceiro movimento, “Scherzo – Allegro assai” (Brincadeira – Muitíssimo rápido), é uma espécie de marchinha militar bem pianíssima, que vai crescendo até se transformar em um festim selvagem. O quarto movimento, “Finale – Allegro molto – Poco andante – Presto” (Final – Muito rápido – Pouco agradável – Extremamente rápido), é, sem dúvida, o mais estimulante, vibrante e arrebatador dos quatro movimentos. Nesse movimento escutamos temas de uma outra obra de Beethoven, o balé “As Criaturas de Prometeu”. Isso também causou estranheza no público, por que uma obra com ampla significação militar e revolucionária terminaria com temas extraídos de um balé?
A sinfonia dura cerca de 50 minutos. Abaixo, um link para uma gravação, dirigida por Herbert von Karajan. Nos comentários desse vídeo, eu fiz marcações dos inícios de cada movimento.
https://www.youtube.com/watch?v=6n_DsDGII_s&ab_channel=EXCICL-ExcitingClassic