• search
  • Entrar — Criar Conta

O individualismo e o ser em crise

O mundo hodierno criou um novo tipo de ser humano que se envergonha de sua fragilidade e finge muitas vezes ser o que não é.

*Evandro Gonzaga Santiago[1] e Joelma Ferreira Franzini[2]

[email protected]

À luz do pensamento de JOEL BIRMAN, dentre outros, verificamos que o ser humano hodierno não sabe mais lidar com a dor, não consegue pedir ajuda, teme dar mostras da própria fraqueza não se abrindo para o outro, dado que isso pode ser compreendido como um sinal de fragilidade. Desta feita, esse indivíduo acredita que necessita ser totalmente autossuficiente. Assim, estão postas as bases do individualismo contemporâneo.

Nunca tivemos tanto e nos sentimos tão pouco. As pessoas estão deixando de interagir presencialmente, evitamos olho no olho, sentimos medo do toque, conhecemos outras pessoas sem apertar suas mãos (SOBRETUDO EM TEMPOS BESTIAIS DE COVID19), os abraços são cada vez mais escassos e menos verdadeiros. Nunca houve tanta necessidade de privacidade, e ao mesmo tempo tanta solidão. Podemos observar nos ônibus, pessoas conectadas aos seus celulares e aos seus fones de ouvidos sem nenhuma interação com quem está ao seu lado. Se os lugares públicos eram espaços onde se interagia, discutia política, economia, educação, violência, futebol, etc., hoje são lugares cheios de pessoas mortas, zumbis conectados à internet, ou fazendo self para postar aos seus “dois mil amigos íntimos virtuais”. Com o advento das tecnologias, famílias inteiras estão juntas no mesmo ambiente, mas não interagem, não conversam, são estranhos habitando o mesmo espaço.

Na contemporaneidade, assistimos perplexos e calados a total falência do ser humano. Tudo faliu: a religião com seu teocentrismo faliu, mas a ciência não foi suficiente para ocupar esse lugar pois se deposita como o novo inquestionável (ou seria, juntamente com a tecnologia, a nova religião?); a família e suas regras repressoras faliram, mas a liberdade não foi o suficiente para suprir essa lacuna; o sistema educacional faliu, mas não encontramos nada melhor para substituir o bom e compromissado professor; somos tão livres que não sabemos  o que fazer com tamanha liberdade; os valores que nos ensinaram estavam todos errados, mas hoje não encontramos em nada, valor algum.

Formou-se uma massa, uma turba disforme onde a vontade imperiosa de cada ser individual deve incontestavelmente ser satisfeita. De inúmeras gerações de seres reprimidos no passado, fizemos uma total “curvatura da vara” para as atuais multidões de monstrinhos egoístas, sempre insatisfeitos, querendo consumir cada vez mais e contribuir cada vez menos, geração (em grande parte), de direitos sem deveres. Assim, estão sendo postas as bases do individualismo contemporâneo. Esclarecendo, que aqui não se trata de fazer apologia à repressão das novas gerações, mas da verificação da enorme dificuldade em se coabitar com pessoas que não compreendem regras e limites. A questão é saber discernir liberdade de insensatez.

Os fenômenos acima descritos, que estão ocorrendo em larga escala na contemporaneidade, não podem ser creditados apenas à poucos fatores. Compreendemos, que a modernidade trouxe incontáveis e inegáveis benefícios para a vida humana, contudo, abalou alicerces estruturantes do modo de pensar, de agir, de se pautar, de padrões de moral e ética que as pessoas tinham.  O ponto central da questão, a nosso ver, é que todo esse cartesianismo compreendeu o ser humano de forma unilateral, apenas do aspecto da racionalidade, e nem todos estão prontos para suportar tanto. É óbvia a importância da valorização da racionalidade humana, contudo, o homem possui outras dimensões como a estética, emocional, espiritual, social, etc., que compõe um todo indissociável. Quando o Ser é despojado de qualquer uma de suas complexas especificidades, é como se o círculo não se fechasse. Nesse sentido a Modernidade e Contemporaneidade fazem incursão num erro semelhante ao da Idade Média: um ser unilateralmente racional frente ao antigo ser unilateralmente místico, ambos incompletos.

Na ânsia de nos livrarmos dos grilhões históricos que subjugaram gerações por séculos, como, por exemplo, a Santa Inquisição, também fomos abrindo mão de sentimentos, atitudes, simbolismos, percepções essenciais a completude dos seres humanos e à vida em sociedade. Jogamos fora a água da bacia com a criança dentro. Não soubemos separar o joio do trigo. Precisamos com urgência aprender a discernir entre a benéfica individualidade do egocêntrico individualismo.

Todavia, da mesma forma que o ser humano necessita ser considerado por inteiro, como um todo indissociável, qualquer comportamento humano ou fenômeno que lhe diga respeito, também não pode se esgotar na observação de uma única faceta. Dessa forma, é improvável que a paulatina transformação da individualidade em individualismo, possa ser estudada ou explicada apenas pelo Racionalismo Moderno, ou Contemporâneo, sobremodo por não havermos nos detidos mas fortes contribuições ocorridas através do advento do Capitalismo, carecendo de um profundo estudo à parte.

De toda forma, nesse breve e inacabado esboço, pudemos compreender que o ser humano, instigado pela modernidade a assumir total responsabilidade por sua vida, confrontado com a exigência contemporânea do sucesso permanente e, sem nenhum dos suportes tradicionais como a família e a espiritualidade, tende a entrar em crise.

[1] Graduado em Pedagogia e Graduado em Psicologia pela União Educacional do Norte-UNINORTE, em Rio Branco-Acre. Pós-graduado em Filosofia: ontologia, conhecimento e linguagem na história da Filosofia pela Universidade Federal do Acre-UFAC. Email: [email protected]

[2] Graduada em Pedagogia (1993), em Ciências Sociais (2008) e em Filosofia (2013) todos pela Universidade Federal do Acre-UFAC; Pós Graduada em Metodologia do Ensino Superior-UFAC (1994); Mestre em Desenvolvimento Regional (2016), UFAC. Pós-graduada em Filosofia (2018) e Ciência da Religião- UFAC (2019). Rio Branco-AC. E-mail:  [email protected]