*Franklin Jorge
Em um certo velório, entediado com a banalidade das conversas e revelações insipidas sobre o defunto, todas elas desprovidas de quaisquer salsa e picardia, resolvi espairecer atravessando a rua São José para admirar o famoso “Baobá do Poeta”, que ali jaz sem serventia, apenas como o resultado duma aquisição feita há muitos anos pelo poetastro Diógenes da Cunha Lima, que assim, estranhamento, o salvou da sanha imobiliária e da omissão dos governantes, que pouco ou quase nada prezam o patrimônio histórico e artístico da cidade congenitamente provinciana em seu segmento cultural.
Fiquei ali, nessa contemplação, uma boa hora, observando tudo em detalhes e imaginando coisas que podiam ser feitas para o bem comum. Percebi que o terreno onde se encontra o singular espécime vegetal estava dividido por uma cerca de arame à esquerda do Baobá, possivelmente para ser transformado em estacionamento ou mesmo posto à venda, pois dinheiro não pesa nos bolsos e é sempre bem-vindo para quem o tem e para quem não o tem. Talvez pensasse o seu proprietário da proximidade do velatório para minimizar os custos de manutenção do Baobá – que a rigor não parece merecer nenhum cuidado especializado de um biólogo qualificado – pois aparentemente seu estado é de deplorável abandono, como tudo em Natal, cidade que menospreza seus valores e se descuida do bem comum. Ou, mais vulgarmente, para aumentar a já gorda conta bancária do poeta que não parece ter o hábito de queimar dinheiro. Mas, com o seu prestigio e tendo sido reitor, podia ter tido a diligência de recorrer ao Departamento de Biologia da UFRN para dispensar a atenção necessária ao Baobá que sobreviveu entre a mesquinhez e a ganancia.
Ali, aspirando o cheiro matinal da terra molhada, ocorreu-me sugerir ao proprietário do Baobá transformar aquele espaço privilegiado em um jardim público – o Jardim dos Poetas, provido de Fonte dos Desejos, plantas raras, esculturas, livraria especializada em autores locais, pavões e aves do paraíso, além de um pequeno coreto dedicado a performances, concertos e recitativos. Um lugar que se tornaria querido por todos, os daqui e os de fora, que se encantariam com a sua raridade.
Imaginei adornar esse jardim com obras de nossos escultores providos de mérito, cabines telefônica com leituras de nossos poetas vícios e mortos, a coleção de Arte Africana do artista Roberto Medeiros; uma obra, enfim, que fizesse de Natal uma cidade na vanguarda da cultura nacional. Não esperava, por esse trabalho, ser remunerado ou ter o meu nome inscrito numa estela, mas contribuir para que tivéssemos um lugar especial – o Jardim dos Poetas doado à cidade por um poeta que assim se redimiria se sua infecunda vaidade a beirar a patologia. Assim, com criatividade e em proveito de todos, alcançaria a tão desejada projeção nacional a imortalizar, de maneira meritória, o nome de seu patrocinador. Cheguei a escrever-lhe um bilhete sobre essa ideia e tivemos um encontro que acabou em nada, por faltar-lhe a necessária grandeza e altruísmo.
Era o que eu tinha a sugerir ao doutor Diógenes na esperança que ele pudesse, por um momento, dar um descanso à vaidade que o consome e o torna, de alguma forma, um pavão e um caricato. Pensava dessa forma cristã tornar o seu nome realmente imortal de maneira digna, lembrado e admirado por gerações futuras ou até que um cataclisma destruísse essa terra madrasta.