• search
  • Entrar — Criar Conta

O lago da solidão

Fundador de Navegos publica a última versão, ainda inédita, sobre o lago de Walden, imortalizado na obra de Henry David Thoreau, pacifista que pregava a Desobediência Civil. Precursor dos hippies e crítico feroz da “maioria silenciosa”, morreu em 1862.

*Franklin Jorge

[email protected]

A paisagem de Walden é de proporções humildes, embora muito bonita. Thoreau nada viu nela de grandioso. Achava que não podia tocar muito a quem não a frequentara em longo período. As águas do lago de Concord têm pelo menos duas cores quando vistas à distância, e outra, mais exata, quando vistas de perto. A primeira depende de mais luz e imita o céu. No verão, em tempo claro, são azuis a pequena distância, especialmente se estão agitadas, enquanto que à grande distancia não fazem diferença. Já no mau tempo, são algumas vezes escuras como ardósia.

O Walden, ainda que observado da mesma perspectiva, ora é azul, ora é verde. Colocado entre o céu e a terra, participa de ambos. Sua água é tão transparente que o fundo pode facilmente ser visto a uma profundidade de quase dez metros. Povos vão e vem sem contaminá-lo. Cisterna perfurada, olho da terra, um lago é o traço mais belo e expressivo da paisagem. Mirando-se nele o ser que se contempla mede a profundidade de sua própria natureza. Água do céu, não necessita de cerca.

Quando remou pela primeira vez nas águas do Walden, lembra Thoreau que o lago era totalmente cercado de pinheiros altos e espessos, além de bosques de carvalho, em algumas de suas enseadas trepadeiras haviam enlaçado as árvores à beira d´água, formando arcos sob os quais a canoa podia passar. A costa pedregosa do lago oferecia um anteparo natural noutros trechos. Por toda parte, uvas silvestres, álamos e o vento Norte. No outono o mergulhão sulcava suas águas.

“Aqui, bem no canto da área de terra que ocupa, e ainda mais próxima à cidade, ficava a casinha de Zilfa, negra que fiava para as pessoas da redondeza e fazia os bosques de Walden vibrarem com seu canto agudo, pois tinha voz alta e bonita…”

No inverno o gelo gemia no lago. Em noites de lua as raposas vagavam sobre a crosta de neve, e busca de perdizes ou de outras presas, perseguidas com uivos furiosos. Esquilos ruivos subiam e desciam as paredes da cabana cuja porta não tinha chave, pois, não possuindo nada de valor, não despertava a cobiça de ladrões. Em sua solidão, distraía-se Thoreau observando as lebres, as formigas e os ratos selvagens que habitavam à sua volta. O gavião não era solitário, mas fazia com que a terra toda em baixo ficasse solitária. No princípio de maio, os carvalhos, nogueiras e aceres desabrochavam em meio aos pinheirais.

Em seis de Setembro de 1847, por uma razão tão boa quanto a que o levara para lá, Thoreau deixou o lago de Walden, levando em seu embornal os manuscritos do seu famoso livro. Talvez por ter várias vidas para viver, não podia desperdiçar mais tempo com aquela, anotou em seu livro. “Qualquer coisa é preferível ao fingimento, pondera. A vida é tão mais deliciosa no que é mais íntima. Riqueza supérflua pode comprar apenas supérfluos. Não nasci para que me forcem a coisa alguma. Respirarei à minha moda…”