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O liberalismo da esquerda

A liberação das drogas não é o caminho para o fim do tráfico. A ilusão reinante de que com a legalização o tráfico não teria mais sentido de existir esbarra em outras questões éticas e de saúde.

*Percival Puggina

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Do presidente ao sindicalista, do ministro ao barnabé, são antiliberais na política e na economia. São contra a propriedade privada (dos outros), contra a expressão pública das crenças religiosas e do pensamento que deles discorde. Ou seja, são antiliberais onde a liberdade faz bem. E usam argumentos liberais onde ela faz mal: aborto, questões de gênero nas escolas, erotização precoce das crianças e, claro, maconha e outras drogas.

É destas últimas que quero tratar aqui. A dependência química, todos sabem, não afeta apenas o usuário. O dependente adoece sua família inteira e atinge todo seu círculo de relações. Ao seu redor, muitos padecem males físicos e psicológicos. A droga é socialmente destrutiva e a sociedade não pode assumir atitude passiva em relação a algo com tais características.

O que de melhor se pode fazer em relação a esse mal é adotar estratégias educativas e culturais que recomponham, na sociedade, valores, tradições, espiritualidade, disciplina.  Desenvolver hábitos de estudo, trabalho, prática esportiva e a vida de família. Como se sabe, porém, essa receita que robustece a virtude contra o vício é intolerável e politicamente incorreta. Resta, então, ampliar o que já se faz, ou seja, mais rigor legal e penal contra o tráfico, mais campanhas de dissuasão ao consumo, mais atenção aos dependentes e às suas famílias, mais atenção à ciência e menos a palpiteiros, fumadores e cheiradores.

A relação direta de causa e efeito entre o consumo de drogas e a criminalidade impulsiona a ideia da legalização. Seus proponentes sustentam que se o consumo e o comércio forem liberados, os produtos serão formalmente disponibilizados, inviabilizando a atividade dos traficantes. Extinto o comércio clandestino, dizem, cessariam os lucros que alimentam o crime organizado e se reduziria o nível de insegurança em que vive a população. Muitos alegam ainda, como se fossem sinceramente liberais, que a atual repressão agride a liberdade e o livre arbítrio. Entendem que os indivíduos deveriam consumir o que bem entendessem, pagando por isso, e que os valores correspondentes a tal consumo deveriam ser tributados. A aparente lógica dos argumentos tem muito forte poder de sedução.

No entanto, quando se pensa em levar a teoria à prática surgem questões que não podem deixar de ser consideradas. Quem vai vender a droga? As farmácias? As mesmas que exigem receita para uma pomadinha antibiótica passarão a vender heroína sem receita? Haverá receita? Haverá postos de saúde para esse fim? Os usuários terão atendimento médico público e serão cadastrados para autorizações de compra? O Brasil produzirá drogas? Haverá uma cadeia produtiva da cocaína? Uma Câmara Setorial do Pó, da Pedra e da Erva? Ou haverá importação? De quem? De algum cartel colombiano? Os consumidores que ocultarem a dependência vão buscar suprimento onde? Tais clientes não restabelecerão, fora do mercado oficial, uma demanda que vai gerar tráfico? A liberação não aumentará o número de usuários e dependentes? Os de poucos recursos arrumarão dinheiro para o vício no crime organizado ou no desorganizado? Haverá bolsa para erva, fumo e pó?

“Qual a solução, então?”, perguntou-me um amigo com quem falava sobre o tema. Respondi: “Quem pensa, meu caro, que todos os problemas sociais têm solução não conhece a humanidade”.

Alguém aí acredita que, legalizado o tráfico e vendidas as drogas em farmácia ou coffeeshops, todos os aparelhos criminosos estruturados no circuito das drogas se transmudarão para o mundo dos negócios honestos? Que seus chefões se tornarão CEOs de empresas com código de ética corporativa e políticas de compliance? Que os traficantes contribuirão para a previdência social e terão carteira assinada? Os líderes das facções vão cantar nos corais das igrejas?

 

Percival Puggina (78) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.