*Alexsandro Alves
Pelo texto anterior, concluímos o seguinte:
- As salas estão lotadas desnecessariamente;
- Os currículos são inúteis;
- Os alunos da EJA, em sua maioria, desejam apenas um diploma para arrumarem algum emprego;
- Esse emprego, infelizmente, só lhes será conquistado, caso assistam aulas que para nada servirão nesses empregos;
Como resultado:
- Alunos apáticos;
- Professores desmotivados;
- Governo apresentando dados de que o analfabetismo diminuiu – mentira, como sabemos.
Uma coisa ficou pendente: como os alunos chegam ao final de seus estudos no Ensino de Jovens e Adultos (e podem ter certeza, no Ensino Médio tradicional), semianalfabetos? O que há por trás disso? Há um mecanismo que privilegia a vagabundagem e a mediocridade. Como se configura esse mecanismo?
Que fique claro, a mediocridade não é exceção! A profissão de professor é mais desgastante de todas as profissões, é nojento no que transformaram essa profissão ao longo de todo esse período pós-governo militar.
Mas que mecanismo é esse e como ele opera? E como ele prende a todos em suas engrenagens?
Chama-se universalização da educação ou educação é um direito de todos e dever do Estado.
Impor a educação enquanto direito para todos e colocar sua realização como dever do Estado é sovietizar o ensino. Na Rússia pós 1917 a população foi forçada a aprender a ler e a escrever. Naquele contexto o resultado foi diferente: a URSS se transformou na nação que mais editou livros e seu povo o que mais leu livros – livros permitidos pelo Estado, ressalta-se.
Aqui, isso não deu certo.
O resultado a cada ano é escancarado pelas posições cada vez mais baixas em rankings sobre educação – só é positivo para os governantes que exibem números de alunos matriculados como se isso fosse a solução para tudo.
Porém, uma vez matriculados, esses alunos precisam passar de ano.
Aqui entra a maldade da universalização da educação no Brasil.
Se o aluno não for aprovado, a escola pode ser fechada! Os professores ficam sem emprego, terão que procurar outra escola, muitas vezes longe de casa.
Em outras palavras, os alunos chegam imbecilizados no final de sua jornada na escola porque de fato não precisam se esforçar muito. Vamos afunilar mais.
Os políticos sabem que a classe mais pobre não tem condições de encarar um ensino barra pesada. Para isso ocorrer teriam que ter suas necessidades básicas bem supridas: uma boa alimentação, bons salários, boas formas de lazer, acesso às artes! Isso geraria investimentos sérios do Estado: em outras palavras, o povo roubaria a propina dos políticos!
O dinheiro das diversões e da superioridade política ante a sociedade seria gasto com pobre! Onde no Brasil a casta política de bestas-feras permitiria isso?
Por outro lado, os órgãos internacionais impuseram metas de alfabetização para o Brasil. Assim, nas coxas, essas metas são cumpridas. Mal cumpridas, mas os números são o que importa.
Que fazer?
Criar mecanismos que possibilitem a quantificação positiva dos resultados.
Primeiro, é proibida a reprovação; segundo, o aluno tem sempre razão, especialmente quando não tem; terceiro, a Secretaria disse…
Vamos imaginar situações em que ocorram cada um desses pontos. É proibida a reprovação. Só se reprova em último grau. O aluno faltou todas as aulas, mas na prova de quarto bimestre estava presente: facilita-se para o aluno! No Conselho de Classe, nota-se que um determinado aluno só está mal em uma disciplina! Aprove o aluno, professor! Ele só ficou na sua disciplina! Detalhe, nas outras ele não ficou, mas também não aprendeu. E assim se empurra um aluno medíocre para o ano seguinte. Quando chega no ano final, pré-vestibular, aquele mesmo aluno está em dependência em uma matéria, ou em mais, na maioria das vezes. Então, o discurso muda: não podemos reprová-lo, ele chegou até aqui, e vai fazer faculdade! Sabemos como ele chegou até aqui, ano após ano sendo empurrado pelo sistema a progredir de ano! O resultado se vê nas faculdades.
O aluno tem sempre razão! O aluno tem todos os direitos. Faltou o semestre inteiro, mas apareceu no dia da prova! Faz a prova! E se o professor não quiser fazer a prova com o aluno fantasma? Aí entra a Secretaria disse que você, professor, é obrigado a fazer a prova!
O aluno faz a prova. Consegue colar. Tira uma boa nota.
E mesmo que não tire uma boa nota, se persistir até o final, passará. O ato de ir para escola, mesmo que nada faça, nem a atividade de casa, é visto como um ato de heroísmo que deve ser recompensado com a aprovação. Afinal, o aluno faltava porque é pobre e marginalizado. Ainda tem esse detalhe.
Esse mecanismo cria uma relação de dependência cruel entre professor e resultados, cruel pois o professor não se eleva. O professor sempre precisa nivelar por baixo. Isso acaba com a profissão. O professor usa menos de 1% de tudo o que sabe, e esse menos de 1% ainda precisa ser diluído em doses homeopáticas. Porque o aluno não está preparado. Nunca estará.
Esse mecanismo é o palco da mediocridade e do fingimento. Se o aluno precisa ser aprovado para assim gerar números para o governo e verba para a escola, o mecanismo força essa clientela, que de fato não está preparada, a ser aprovada, ano após ano. Se o professor reprovar, sofrerá as consequências. Mesmo que essa clientela chegue na faculdade com déficits de aprendizagem. Mesmo que permaneça um analfabeto funcional. Depois que a escola o cospe fora, já não é mais problema dela, que venha a próxima leva de pobres futuros trabalhadores, precisamos educá-los.
Esse mecanismo construiu amarras escravizatórias. Todas as partes, o professor, o aluno, o processo ensino-aprendizagem, estão algemadas umas às outras. Há uma infelicidade perversa nesse laço do passarinheiro. E age como anestésico: a cada ano, reclamamos menos; a cada ano, dissemos: isso não muda nunca! A cada ano o corpo docente é transformado em zumbi enquanto o corpo discente, em analfabetos.
Tudo isso porque os resultados precisam ser positivos para o governo. Os números devem ser cada vez maiores! Mais gente com diploma! Mais pobres oriundos do ensino público fazendo faculdade. Gente! Isso é só quantidade! Não há qualidade! Basta lembrar das universidades que estão colhendo as mazelas desse mecanismo: aulas de matemática básica para os calouros!