*Franklin Jorge
Curioso personagem da boemia natalense, quando moço, em meio a uma sociedade machista e intolerante, Milton Siqueira quis se fazer homossexual não por inclinação intima, mas para chocar a família conservadora e tradicionalista [um seu irmão chegou a desembargador do Tribunal de Justiça]. Costumava justificar a sua pretensão sexual num vozeirão miltônico inconfundível – “Há de tudo na família Siqueira; só estava faltando um veado para maior glória genealógica…”
Poeta sofrível e peripatético, Milton deixou um folclore imenso em torno do seu nome. Em uma certa época, foi um freqüentador assíduo do Café São Luiz, onde parava para o cafezinho, após percorrer as ruas da Cidade Alta sobraçando uma pasta surrada cheia de versos. Por último, passava horas sentado nos batentes da Casas Porcino, onde abordava as pessoas que passavam na calçada, oferecendo-lhes versos.
Milton percebeu que o sono dos vivos importa mais que o sono dos mortos. quando lhe morreu a mãe, ele, chegando em casa tarde da noite, depois de cumprir o seu fado pelas ruas de uma Natal ainda provinciana, dispersou o velório, alegando que não podia dormir com o ruído das conversas e a litania das beatas. “Esta mulher já não precisa de rezas – disse. — Vão para suas casas”. Fechou a porta e foi dormir.
Viveu grande parte de sua vida do comércio de sonetos, escritos ao gosto do freguês. Foi um poeta profissional e provou que o soneto é uma manufatura como outra qualquer, antecipando-se, desta forma, a Zila Mamede e ao seu artesanato poético. Achava frescura o delírio lírico, por isso não tinha hora certa para escrever. O verso para ele era una a manufatura, escrevendo ao gosto do frequês. assim tiraba o seu sustento do suor das Musas. Passava o dia sentaso nos degras de ua loja nas imeditações do Café São Luis, em silêncio.
Cultivou em alto grau o que Baudelaire – que ele certamente jamais terá lido – definiu como o “prazer aristocrático da injúria”. Sua figura agigantada, menos que a língua verrumosa, inspirava temor. Andava o poeta coberto de andrajos, vendendo seus versos de ocasião pelas ruas de Natal, geralmente no expediente da manhã. Raramente saía à tarde, permanecendo em Mãe Luiza, pertinho do céu, onde tinha o seu barraco. Usava um cachecol de lã em pleno verão, e não dispensava o uso do boné, geralmente um daqueles contendo publicidade de alguma loja. Teria cometido um crime hediondo, introduzindo uma garrafa quebrada na vagina de uma prostituta que lhe negara os serviços.
Gostava muito de ler os jornais do dia, segundo ele, para “saber dos podres da cidade”. Muito popular, apesar de irascível como costumam ser os poetas, um movimento popular organizado pelo poeta Carlos Gurgel, quis fazê-lo imortal da Academia Norte-rio-grandense de Letras. Não consta que ele tenha se alegrado com a idéia. Afinal, era um outsider e achava frescura toda formalidade.