*Renato de Medeiros
Concorrer com hqs de super heróis é difícil, devido o sucesso dessas publicações e sua capacidade de atingir a massa de leitores de hqs . Esse monopólio contribui para inibir qualquer tentativa de mostrar hqs diferentes do cardápio dos super-heróis. As grandes editoras que produzem e publicam quadrinhos de super-heróis como Marvel e DC são majoritariamente donas de vastas áreas de produção, distribuição e propulsoras da divulgação das publicações. Capazes de influenciar o gosto do leitor sobre qual quadrinho comprar afastando como consequência outras opções capazes de despertar o interesse do consumidor dessa mídia e concorrer por sua atenção. Talvez as exceções a essa hegemonia das duas editoras é a Bonelli e suas produções como Tex, Dylan Dog, Zagor, Mister No e outros títulos que vem se sobressaindo no mercado. Outras editoras como a Dark Horse com o seu Hellboy, e outras não tão conhecidas como a Image vem furando a bolha editorial e promovendo uma democratização das publicações no Brasil.
Nessa área personagens que fogem do estereotipo dos super-heróis são os quadrinhos que abordam temas próximos ao cotidiano. Histórias em quadrinhos que aborda a vida e obra de um personagem, situação, terror, ficção cientifica não tem o apelo dos super-heróis mas cada vez mais vem competindo no interesse do público leitor. Nessa área alternativa de personagens/tema sobressai os roteiros mais enxuto e elaborados com tramas que terminam na mesma edição ou na próxima sem precisar ser seguida de maneira exaustiva pelo leitor. Outro atrativo verificado com essas publicações são o resgate de temáticas que foram o fundamento para as hqs dos super-heróis como a fantasia, o terror e a ficção cientifica que despertam o interesse crescente do leitor. Contudo, um dos temas se destaca de tantos outros por sua aproximação com o medo e a fantasia que é personagens que trabalham com o sobrenatural, exemplos disso é John Constantine e Dylan Dog. Ambos, atuam na mesma área, mas cada um possui diferenças fundamentais. Nesse ponto prefiro me concentrar no segundo personagem, o bonelliano Dylan Dog do que no personagem da DC criado pela mente fértil de Alan Moore nas páginas do Monstro do Pântano.
Dylan Dog é um ex policial da Scotland Yard que deixou a instituição e passou a atuar como investigador do sobrenatural, se envolvendo em aventuras que são uma mistura de terror e non sense. Em suas histórias podemos encontrar questões filosóficas e discussões morais que abrilhantam a leitura e comovem. Criado por Tziano Sclavi como proposta para ser publicado na editora Bonelli, o personagem logo ganhou publicação regular que dura até agora com grande sucesso. Publicado em muitos países, o personagem conseguiu conquistar o público e abrir espaço no mercado de outros países para as publicações da editora.
No Brasil, o histórico de publicação do personagem é irregular, passando por editoras como Record e duas vezes pela Mythos que a publica atualmente. Ao contrário de outro personagem bonelliano Tex que é publicado com impressionante regularidade no país, Dylan Dog sofreu para se firmar como alternativa para o público leitor brasileiro. Caminho parecido tem outro personagem, Martin Mistery criado em 1982 por Alfredo Castelli roteirista italiano conhecido por ter escrito outros personagens da editora Bonelli como Mister No e Zagor. Martin Mystère é um arqueólogo, cujas histórias não estão centradas no desenvolvimento clássico de aventura no estilo indiana jones, mas concentra-se na parte mais culta do desenvolvimento de suas histórias, visto que cada número é rico em notícias e curiosidades históricas, geográficas, antropológicas e sociológicas.
Podemos considerar que o personagem é tem experiência em uma ampla gama de conhecimentos, um “tudólogo”. Martin Mistéry foi laureado em antropologia e possui diversas especializações como (arqueologia, história da arte, cibernética) e é também um profundo conhecedor da chamada “cultura de folhetim. Martin adora deixar seus interlocutores espantados com sua sabedoria, mas é uma personagem que está longe de ser um pedante ou vaidoso acadêmico.
Considerando esses dois personagens e suas diferenças, tanto na abordagem de assuntos sobrenaturais como na forma de agir na interação com personagens secundários comparando com John Constantine da DC. Nesse caso não podemos sequer acusar de plagio diante da profundidade das diferenças e temas das histórias de cada um. Contudo o que marca especificamente, tanto Dylan Dog quanto Martin Mistery, é a busca psicológica de desenvolver os personagens pelos roteiristas e o amadurecimento dos seus coadjuvantes. O Universo sobrenatural desses dois personagens não se preocupa somente com os casos e histórias que envolvam mistério, morte, enigmas e monstros, mas essencialmente trata com humanidade temas comuns e corriqueiros, que não vou citar aqui para não me alongar em demasia nesse artigo, deixarei para tratar desse assunto depois. O que desejo ressaltar nesse texto é a importância desses personagens para o mercado e apresenta-los adequadamente. Obviamente o público leitor antigo já conhece esses dois personagens, porque certamente mesmo com as suas publicações irregulares eles foram bastante conhecidos e lidos. Contudo, agora, com a periodicidade e qualidade de tratamento dispensado pela editora Mythos, para esses dois personagens, temos uma nova oportunidade de conhecer e conferir a profundidade de suas histórias.
As aventuras dos dois personagens seguem uma regularidade entre bom e ótimo, casos raros são histórias abaixo disso. Muito disso se deve pela tradição europeia herdada da literatura para construir texto coesos e profundos que levam o leitor a refletir e a se informar ao mesmo tempo. Lendo Martin Mistery temos a sensação de que conhecer a história é mais interessante do que nos ensina na escola. Já no que diz respeito a Dylan Dog observa-se um foco no conhecimento especifico de aspectos pertinentes a cultura e até mesmo a interação do personagem com figuras desse meio.
Existe nas aventuradas do detetive do impossível (Dylan Dog é também assim chamado) os casos amorosos que envolvem o personagem geralmente terminam em tragédia ou em abandono de algum dos amantes envolvidos. Considerando todas essas características de ambos os personagens, o que podemos constatar é que eles são um tipo de herói anônimo e que transita pelo comum, pois investigam o mundo do além em aventuras que podem acabar em redenção ou em tragédia. Essa possibilidade lhes dá brilho próprio e se tornam uma ótima opção ao que aparece no mercado de quadrinhos atual. Encerro esse texto esperando que ele tenha despertado no leitor noviço de quadrinhos o interesse por conhecer esses personagens bonellianos e conferir suas excelentes histórias. Valeu e desejo um abraço a todos.